sábado, 21 de março de 2009

Diálogo com o barro.


Tenho uma disciplina na pós-graduação, chamada “Laboratório de Sensibilidade”. É uma aula fantástica, estou aprendendo coisas incríveis. As vivencias me mostram a todo o momento o quanto eu preciso me soltar mais, entrar em contato com meus sentimentos, acreditar mais na minha intuição e dar vazão a minha criatividade.
Estes dias fizemos uma vivencia com argila, com o objetivo de, ao desenvolver um diálogo com o barro, possibilitar um diálogo com conteúdos internos.
Demorei um pouco para encontrar a forma pretendida, como sempre pela dificuldade que tenho em me entregar a este tipo de atividade, mas a argila me permitiu recriar quantas vezes eu necessitei, bastava eu acrescentar água, e com suas exigências atendidas, ela cedia as minhas vontades.
Antes de começarmos a atividade, fomos estimulados a fazer um relaxamento, para possibilitar uma maior interiorização. Para isto todos fecharam os olhos enquanto concentravam-se na respiração. Ao expirar nosso pensamento deveria estar nas tensões do momento, nas angustias, como se estas estivessem sendo expiradas também, junto com a respiração. Deveríamos sentir nossos pés no chão, forçando-os como se estivéssemos enraizando naquele lugar, e buscando absorver da mãe terra o que ela tem de positivo: sustento, energia. Após um tempo começamos a manusear o barro, apertando, beliscando, batendo, esmurrando. Neste momento iniciou-se um diálogo, onde não apenas podíamos dar forma ao barro, mas antes deveríamos aceitar o formato que ele ia dando a si de acordo com os nossos movimentos.
Não nos preocupamos muito com a forma a princípio, mas posteriormente começamos a buscar um sentido para nossa produção. Existe um processo que chama metamorfose. Se realiza assim: a pessoa deve fazer uma esfera com a argila, de forma que fique bem lisa e redonda, imaginando que aquilo que carrega nas mãos é o seu mundo interno, buscando sensações, percebendo-se, tentando alcançar a representação daquilo pra ela. O passo seguinte é transformar a esfera em algo do Reino Mineral, depois do Reino vegetal, para posteriormente buscar uma representação do Reino Animal. Para finalizar, a pessoa deve buscar uma síntese abstrata das formas anteriores.
Ao final da vivência eu estava me sentindo completamente diferente. Por alguns momentos esqueci de todos os meus problemas, minha mente desocupada, apenas concentrava-se no sentimento que aquela experiência me possibilitava. Adorei
.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Quem disser que é fácil, tá mentindo.


Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano, não dei.

Parece que a vida tirou este ano pra me calejar, pra me testar, pra me fazer aprender na marra, pra cobrar meus pecados, pra ver até onde eu agüento, ou coisa do tipo. É um soco atrás do outro. Não sei se tenho esta força toda...
Para justificar isto, eu nem preciso dizer tudo o que me aconteceu de janeiro pra cá, basta que eu cite os acontecimentos desta semana.
Terça-feira eu estava voltando do trabalho e caiu uma tempestade imensa, daquelas que não dá pra enxergar um palmo a frente. Eu tava sozinha numa rodovia sem acostamento e a parte elétrica do carro deu pane, fazendo com que o carro simplesmente empacasse em meio ao temporal, na curva, em um lugar onde os caminhões passavam a 100 km/h. Como se não bastasse começou a sair fumaça dentro do carro e pra piorar a trava elétrica e o vidro não se moviam do lugar, ou seja, fiquei presa no carro, em meio a fumaça, e lá fora os carros, caminhões, ônibus, passavam por mim buzinando e desviando em cima do meu pequeno veículo. Até o pisca alerta não funcionava. Nem preciso dizer que nessas horas o celular não pega. Pouca desgraça é bobagem. Passei minutos de pânico, achando que ia morrer ou asfixiada ou esmagada. Como meu santo é forte, enviou um ônibus pra me salvar. O busão veio numa velocidade incrível, se aproximando cada vez mais, quando o motorista me viu e freou. Como que um milagre, parou a dois centímetros do meu carro. O cara desceu e foi ver se tinha acontecido alguma coisa e me encontrou lá dentro. Entortou a lataria do carro e me tirou de lá. Chamou o guincho e seguiu seu caminho. Depois, tudo se resolveu. Tirando o fato de que tive que gastar dinheiro com o carro, no momento financeiro mais crítico da minha vida, o lado bom é que estou viva, e inteira. Não foi desta vez. Mas o susto foi grande. Meu marido cansou de me dizer que trabalhar longe é perigoso, coisa e tal, e eu teimosa insisto. A verdade é que eu poderia trabalhar perto se fosse pra fazer algo diferente do que realmente quero para a minha vida. Como é difícil correr atrás dos sonhos. E perigoso também. Às vezes fico pensando até onde vale a pena pagar o preço.
O outro fato aconteceu a menos de uma hora atrás. Na verdade vem acontecendo há um tempo, mas acabou de se efetivar. Minha irmã, de dezoito anos que mora comigo e com meu marido, acabou de sair de casa pra morar com uma colega que ela conheceu há uma semana. Tudo por orgulho, por não gostar do meu marido. O orgulho nos faz tomar atitudes que decidem o caminho das nossas vidas. Quem ler isto não é capaz de imaginar o que isto significa pra mim, o que ela significa pra mim. Eu sempre soube que não se pode ter tudo, mas gostaria que esta regra não incluísse as pessoas a quem amamos. O vazio que sinto é tão grande que adormece a ponta dos meus dedos, me deixa em um estado de transe emocional, me tira a paz.
Dá até medo de levantar da cama e tocar o dia, mas não posso me retirar da luta. Por isto digo que viver não é uma tarefa fácil. O tempo, grande mestre curador, se encarrega de muitas coisas, mas enquanto isto a garganta dói, e o peito, nem se fala...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Este post encerra as duas últimas publicações sobre uma atividade iniciada na semana passada com o grupo de pacientes que atendo na clínica. Na verdade, é mais uma síntese de tudo o que falamos nestes dias em relação a mudança de comportamento, na intenção de motivar neles a busca pelo auto-conhecimento.
Durante as discussões busquei reforçar o fato de que ao trabalharmos os comportamentos e os sentimentos, fortalecemos o ego, aumentando a auto-eficácia para superar não apenas as dificuldades com as drogas, mas as dificuldades gerais da existência. Vou descrever os itens mais importantes que listamos, os quais foram apresentados como foco para o tratamento.

Buscar com firmeza os próprios erros – significa parar de colocar a culpa no externo, parar de se fazer de vítima, de achar defeito nos outros, de julgar a atitude alheia. É necessário concentrar-se em si mesmo. As atividades que remetem ao passado ajudam a dar uma bela olhada no que vivemos, nos permite reconhecer fragilidades e erros, e nos permitem refletir sobre uma maneira efetiva de transformar os nossos erros em acertos futuros.
Saber ouvir – até para reconhecer os erros é preciso saber ouvir. O outro pode ver algo na gente que não conseguimos enxergar. Este saber ouvir é refletir sobre o que foi dito, antes de buscar uma justificativa pra tudo.
Apropriar-se da responsabilidade pelo seu problema - não culpar o outro e as situações, tomar as rédeas da própria vida.
Refletir sobre o controle em relação ao uso – para muitos ainda existe a ilusão do controle.
Diminuir os pensamentos dicotômicos (tudo ou nada) - Refere-se à tendência para avaliar as situações de forma extrema. Por exemplo: “Durante a internação, ou tenho sorte e o tratamento não será desgastante e angustiante ou então vai ser horrível e vou me sentir muito mal.”.
Não ignorar o positivo - Refere-se à tendência para minimizar os aspectos positivos das situações, antecipando problemas inultrapassáveis e um sofrimento intolerável para o futuro. Por exemplo, o paciente pode esquecer todos os aspectos positivos do tratamento e os benefícios de receber todo o auxilio “possível”, esquece igualmente que se trata de uma situação passageira e que em breve se seguirá um período de recuperação em que poderá regressar para junto dos familiares. Exemplo: “A estadia aqui é horrível Estamos longe da nossa casa. Não suporto isto!”.
Aumentar o auto-monitoramento - se policiar em relação as atitudes, aprender a se ouvir, meditar. Não é fácil empregar energia para observar a si mesmo, os seus movimentos. É mais fácil observar o outro.
Transformar sentimentos como o egoísmo, a desonestidade, a imprudência, a vitimização, entre outros – transformação de qualidades negativas, como forma de fortalecer o ego, estabelecer os vínculos e o equilíbrio emocional.
Evitar velhos hábitos – conscientização dos comportamentos de risco.
Refletir a respeito da auto-imagem – reconhecer o seu real tamanho.
Estar atento para a negação - não apenas da doença, mas de comportamentos. Para suportar alguns períodos de preocupação, medo e ansiedade, o individuo pode ignorar ou negar estes sentimentos, da mesma maneira que antes negava a adição. A negação pode ser tão forte que não tem consciência dela enquanto a mesma esta acontecendo. Mesmo quando está consciente dos sentimentos, a pessoa esquece logo e se vão. Somente quando pensa de volta na situação mais tarde é que é capaz de reconhecer os sentimentos de ansiedade e sua negação.
Autodisciplina - A autodisciplina deve ser encarada como um esforço positivo. Serve para o planejamento, que ajuda você a se concentrar em suas prioridades.Você estará trabalhando com tarefas em pequenos incrementos, não tudo de uma vez. Primeiro você desenvolve um hábito, depois o hábito faz o serviço para você. Seja firme, controle os resultados e controle as suas decisões e atitudes. Assim, gradativamente, você passa a ter controle sobre si mesmo.

Após discutirmos sobre estes itens, apresentei a relação abaixo, que nada mais é do que a conseqüência que terão, as habilidades desenvolvidas caso consigam focar o sugerido acima:

Re-significar pensamentos dicotômicos – As opiniões e as decisões deixarão de ser 8 ou 80. Uma maior flexibilidade irá propiciar escolhas mais estáveis e relações menos superficiais.
Resolver problemas e tomar decisões de forma sensata e assertiva – isto é possível de forma efetiva apenas após um tempo e de acordo com uma boa maturidade em relação aos sentimentos.
Desenvolver estratégias de enfrentamento – a partir do autoconhecimento e do conhecimento da doença é possível desenvolver habilidades que permitam o enfrentamento não só da doença, mas das dificuldades gerais da vida.
Manejo da pressão social – isto é muito importante inclusive para o desenvolvimento da capacidade de recusa para a oferta da droga, e para o relacionamento social.
Aumento da capacidade de antecipar as conseqüências negativas do uso de drogas – te dará o tempo necessário para pensar antes de agir. Tem a ver com o controle da impulsividade.
Controle da impulsividade - é alcançado depois de muito trabalho, nunca será uma resposta imediata, vem junto com o trabalho da paciência, da reflexão, da serenidade.
Compulsão e obsessão: Envolve a impulsividade. A obsessão se caracteriza por pensamentos ou imagens que se repetem persistentemente na mente. A compulsão se dá através de atos; a obsessão se da através do pensamento. A compulsão é o ato que se dá em resposta a um pensamento obsessivo.
Aumento da tolerância a frustração - muitas recaídas seriam evitadas se houvesse tolerância as frustrações.
Enfrentamento de situações de risco - após ter adquirido conhecimento em relação aos gatilhos, ao aprofundar em um autoconhecimento será possível enfrentar as situações de risco.
Auto-estima - o fortalecimento da auto-estima sustenta e mantém as aquisições anteriores para que não haja regressão no comportamento.
Aumento da auto-eficácia - sentimento de capacidade para realizar.

Para finalizar, apresentei um outro objetivo para o tratamento, diferente do primeiro, que era apreender uma estratégia lógica que evite uma recaída. O objetivo que segue amplia a visão do que é a recuperação de fato, objetivando não apenas a abstinência, mas uma mudança de hábitos gerais, uma nova maneira de viver:

“No fundo, tratar é a pessoa recomeçar a gostar de si mesma, acreditar em si, ter relacionamentos saudáveis e valorizar a vida. Mudando a si, ao mesmo tempo muda seu posicionamento no social, seu hábitos gerais. Não há uma cura mágica ou milagrosa para a dependência de drogas. Penso que, para a superação da drogadição, a resposta, no significado terapêutico, está nas relações humanas, de pessoa para pessoa ou de pessoa com pessoas. É no mundo estrito do ser que surgem as crises, os jeitos e florescem as possibilidades”.

sábado, 14 de março de 2009

Continuando o esquema descrito no post anterior, iniciei outro encontro com o grupo retomando a questão da mudança de comportamento. Pra falar a eles sobre a importância da prontidão para mudança, iniciei explicando sobre cinco estágios:

Estágios de prontidão para a mudança:
Pré-contemplação:
não estar consciente de ter um problema e não ter intenção de mudança.
Contemplação: estar consciente que existe um problema, mas ainda não ter feito nada para mudar.
Preparação: ter a intenção de realizar alguma mudança.
Ação: Concretizar a mudança.
Manutenção: Já ocorreu a mudança, e o paciente está procurando manter o comportamento modificado.

A dificuldade do trabalho em grupo está no seguinte: aqueles nos estágios mais iniciais de mudança (pré-contemplação) beneficiam-se mais da instrução e da compreensão das condutas de risco do que aqueles que já estão cientes dos riscos de seu comportamento e pretendem mudar logo (preparação). Ou os que estão ativamente tentando mudar (ação), beneficiando-se mais de intervenções baseadas no treinamento de habilidades e na auto-eficácia (habilidade de sentir-se capaz).

Antes de continuar a atividade pedi para que cada um identificasse em que estágio se vê.

E emendei ilustrando com a necessidade de mudar um comportamento específico: a impulsividade, e com ele a obsessão e a compulsão, que aumenta a probabilidade de recaída.
Sempre reforço o fato de que ninguém nasce pronto. A vida é um processo de criação. A todo momento estamos nos recriando. Portanto temos que determinar quem queremos ser, e agir de acordo. Se colocarmos na mente que não é possível mudar, certamente não mudaremos. Mas se aos poucos tomarmos consciência e refletirmos sobre nossa maneira de agir, sobre nossas escolhas... se aos poucos conseguirmos pensar antes de falar, antes de agir, gradativamente seremos capazes de equilibrar nosso comportamento, agindo menos na impulsividade e mais na reflexão. Seremos capazes de cada vez mais termos o domínio de nós mesmos, guiando nossa vida ao invés de sermos guiados pelas emoções.

Benefícios da mudança deste comportamento:
Manejo da compulsão e da obsessão.
Reflexão antes da ação = assertividade.
Controle da própria vida.
Não mais ser guiado pelas emoções.

Dificuldade em mudar o comportamento:
Busca de fórmulas mágicas – não quer pagar o preço.
Pensamentos dicotômicos – tudo ou nada.
Pré-conceito.
Má vontade.
Resistência.
Indisciplina.

Depois de ter ouvido a todos, e ter aprofundado nesta questão, busquei enfocar com eles um outro comportamento, mas desta vez, um que precisa ser reforçado: a motivação. Para iniciar a discussão, pedi para eles fizessem a seguinte atividade:

* Em uma escala de 0 à 10, vocês identifiquem o quanto se sentem capaz de parar de usar drogas.
* Agora, listem no mínimo 6 coisas que alguém pode fazer para conseguir evitar o uso de drogas.
* Façam duas colunas: em uma descrevam quais as vantagens de usar drogas (prós), e na outra quais as desvantagens.


Esta atividade abre reflexão sobre o nível de motivação que cada um tem para parar usar drogas. A motivação é algo que flui de dentro pra fora: a própria pessoa alimenta em si. Outra pessoa não é capaz de motivar a mim, eu tenho que buscar algo que me motive, eu preciso dar motivos à minha ação.
Aí entra a palavra decisão: até que ponto há disposição para encontrar esta motivação?
Na adicção ativa, a pessoa perde a capacidade de decidir, de fazer escolhas. Ela simplesmente deixa-se ser guiada por um poder destrutivo. Sabe que está fazendo mal, se destruindo, mas continua usando: Perda da escolha - “tenho que usar”.
Levantei com o grupo as razões pelas quais o dependente químico se deixa levar por um poder destrutivo e ressaltei que para a recuperação, o poder de Decisão é a maior fonte de força e coragem, é onde o medo diminui.
Quando você decide, a decisão implica em ação, você começa a recuperar a sua ação (recuper-ação), a buscar os motivos para isto (motiv-ação), e aos poucos desenvolve as habilidades que precisa para vencer.
Terminei lembrando a eles sobre a primeira proposta do tratamento, e mostrando a amplitude de abordagens que este tratamento carece.
Com a finalidade de abordar aspectos específicos da doença e de mostrar ao grupo a importância de levarem o tratamento a sério, de participarem das atividades, de se dedicarem, preparei um esquema teórico e explicativo para que os assuntos citados pudessem ser tratados, esclarecendo as dúvidas deles em relação ao tratamento.
Abaixo segue o esquema seguido para o trabalho:

O que a maioria espera em relação ao tratamento é apreender uma estratégia lógica que evite uma recaída.

Uma recaída é evitada a partir:
Do manejo da impulsividade;
Da identificação e evitação de situações de risco;
Da regulação do humor;
Da mudança do estilo de vida;
Da transformação do comportamento aditivo.

Isto se torna possível apenas com uma abertura total do indivíduo para o conhecimento de si, para a tomada de consciência de seus movimentos e de suas questões internas. Muitos sabem no que devem focar, ou seja, sabem sobre técnicas, mas não conseguem colocar em prática porque não aprofundaram no autoconhecimento e não se predispuseram a mudar de fato.

Para que esta mudança seja alcançada, é necessário lutar contra:
O cansaço mental e emocional;
A falta de motivação;
A falta de confiança;
O descaso em relação ao tratamento.

O cansaço mental e o desgaste em suportar as reuniões concentra-se justamente na dificuldade que é, não apenas assimilar as orientações e sugestões, mas principalmente em elaborar emocionalmente e abrir mão do que não serve mais.
Por isto, o conhecimento teórico sobre a doença, tão necessário, torna-se infundado quando não trabalhamos os comportamentos, os pensamentos, os sentimentos. Para que o tratamento dê certo, são necessárias confiança e entrega.

Portanto, a proposta do tratamento se estende a:
Um maior enfrentamento de adversidades;
Preparo para lidar melhor com a angustia, com as perdas, com as dificuldades do dia a dia;
Para viver de maneira autentica e ter paz

Assim o foco do tratamento não se limita a abstinência, mas estende-se a possibilitar uma compreensão de si, para desenvolver maior tolerância as frustrações. E a isto se soma objetivos mais complexos, como ser e fazer feliz as pessoas a sua volta, contribuir para uma sociedade melhor e por aí vai...
É claro que tudo leva um tempo, e temos que ir por etapas, mas não podemos esquecer que quando alguém diz que a sobriedade é o suficiente, está falando sem pensar. É como aquele fazendeiro que sai do porão onde estava se protegendo de um vendaval e encontra sua casa toda destruída. Aí, diz à sua esposa: “Não vejo nada de errado aqui, mulher. Que bom que o vento parou, não é?”.
... Há pela frente um longo período de reconstrução. É preciso analisar o passado honestamente, além de pensar em novas possibilidades de agir e em formas diferentes de refletir quando estiver frente a uma situação que lhe ative o comportamento aditivo habitual.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Escolha cuidadosamente suas palavras

Como eu disse no texto anterior, esta semana os garotos da clínica estavam terríveis, e resistentes a qualquer trabalho terapêutico. Nas reuniões em grupo, o assunto girava em torno apenas de críticas em relação à clínica e ao tratamento de uns em relação aos outros. Absurdamente impulsivos e extremistas, mostraram-se longe de qualquer possibilidade onde haja bom senso e discernimento.
Devido ao clima, achei que seria interessante uma atividade onde pudessem ser trabalhadas as dificuldades de relacionamento, onde pudéssemos discutir os comportamentos disfuncionais que precisam ser modificados, estimulando o respeito as individualidades, a maneira de lidar com os conflitos, e a delimitação de limites.
Dei a eles papel e caneta e pedi para que dissessem três coisas que não gostam que lhes digam, ou que ficam mal ao ouvir. Recolhi os papéis e redistribui a pessoas diferentes. Cada um teria que relatar se aquilo que está escrito ocorre em sua vida e como lidaria caso ocorresse.
Assim que terminaram, formamos um círculo para discutir as opiniões. No início fluiu bem, mas eles estavam muito impacientes e não conseguiam ouvir o colega, nem aprofundar o assunto.
De qualquer maneira, algumas questões puderam ser abordadas: um dos participantes disse que fica mal quando alguém fala ou faz coisas pelas costas e depois se finge de amigo. Ou quando falam de drogas perto dele. Ou quando é acusado por algo que não fez. As observações para estas colocações foram relacionadas a evitar certas pessoas, e situações ou dar uma "lição" no outro, ou seja, partir para agressão. Depois de ouvir a opinião de alguns e de serem similares, ficou claro que no ponto de vista deles, se alguém agiu ofensivamente, merece ser ignorado ou agredido. Não há meio termo, não existem outras possibilidades. Pontuei isto a eles e estimulei a reflexão do quanto este tipo de comportamento atrapalha nos momentos de crise.
Outro participante, ao falar sobre sua opinião acrescentou que o incomoda pessoas que agem de má fé, ou pessoas estúpidas, e as sugestões não variaram, estiveram em torno do mesmo extremismo, do 8 ou 80, do tudo ou nada. Outras colocações foram feitas: a respeito da mentira, da dificuldade em alcançarem objetivos. As respostas permaneceram fechadas, sem abertura de novas possibilidades.
Também foi falado em injustiça, em ser responsabilizado injustamente por algo que não se fez. Sobre desconfiança. Sobre questões que se fossem levadas a serio e aprofundadas poderiam somar e estimular a mudança de comportamento que eles precisam tanto iniciar.
Além disso, ao invés de buscarem o foco, eles insistiam em questionar e criticar constantemente. Quando o colega falava de uma atitude positiva, o outro interrompia dizendo que não adiantava idealizar aquilo se no momento agiam de outra maneira. "Mas isto é obvio - eu disse a eles - caso se comportassem adequadamente nada disso precisaria ser trabalhado". Disse também que o objetivo da atividade não é fazer com que eles seguissem o politicamente correto, mas que tomassem para si a decisão sobre suas atitudes. Que pudesse escolher a forma de agir a partir de uma reflexão pessoal, de um fundamento. Esclareci que existem situações que nos “tiram do sério”, que não dá pra agir desta maneira a todo o momento, mas que na maioria das vezes o saudável é agir assim: "se eu achar que o fato de o outro ter sido mal educado comigo, me permite dar uma resposta à altura, que eu faça isto porque pensei em outras possibilidades, porque através de algumas experiências e tentativas neste sentido, percebi que o melhor mesmo era agir assim. E não porque fui levada a isto, ou porque não consigo agir de outra maneira. E o mais importante é estar aberto para mudança se aquela maneira não servir mais".
Realmente para funcionar assim é preciso muita coragem e força do ego, muita persistência e disposição. E a dificuldade em conseguir está justamente na dificuldade pela qual não deu certo a atividade. Falta de vontade de uns, tendência a criticar antes de refletir de outros, e preguiça de pensar também.
Fica mais fácil pra eu lidar com isto, sem perder a paciência, quando entendo que a manifestação do comportamento deles faz parte da doença, também é sintoma, e também deve ser trabalhado, em outras atividades específicas.


Uma variação da atividade proposta seria organizar as pessoas em duplas, para que juntas fizessem uma lista de frases que ouvem freqüentemente e que consideram agressivas, ofensivas, ou que causem desconforto. O objetivo é encontrar uma forma clara e gentil de dizer a mesma coisa, e levantar com o grupo a questão de que muitos ali tem atitudes que abominam no outro.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Tem semana que é complicada no trabalho com os garotos da clínica. Esta foi uma semana bem desmotivante.
A clínica é involuntária. As pessoas passam muito tempo lá. Por um lado precisam disto, mas por outro, tudo o que é demais faz mal. Todos estavam estafados, de saco cheio, com todas as reclamações e críticas do mundo. Não consegui desenvolver trabalho nenhum com eles, porque a ira volta-se contra mim, acabo sendo o “descarrego” do grupo.
Não é fácil esta vida de psicóloga... Tem o fato também de que as idades variam bastante, há muitos adolescentes, que falam ao mesmo tempo, não se respeitam, não tem disciplina. Ficam me testando pra saber o que sou capaz de fazer. Se proponho uma atividade mais complexa, eles dizem que é difícil e não querem fazer. Se é algo simples, ou relacionado a artes, eles dizem que é coisa de criança. É bem complicado.
Fico meio receosa de apostar em uma postura mais agressiva e exagero no acolhimento. Talvez isto derive da minha necessidade de aceitação. Quero que gostem de mim, quero que prefiram a mim. Entra aí uma questão de disputa também, em relação às outras psicólogas. Acontece que, ao buscar reconhecimento e preferência, muitas vezes deixo de fazer o que preciso fazer de fato. Acabo sendo displicente, me tornando insegura e me perdendo nas palavras. A isto se soma minha timidez e minha dificuldade em aceitar meus erros. É foda. Cobrança de todos os lados, principalmente uma autocrítica cruel, e extremista.
Bom enfim, o fato é que apesar dos pesares, tive que trabalhar. Uma das atividades foi relacionada a interpretação de textos, e articulação do tema com a história pessoal dos participantes. Para realizar esta atividade, dividi o grupo em três e dei a cada grupo um texto, que eles deveriam ler, compreender e desenvolver uma maneira de apresentar para os outros grupo, sempre relacionando com a história deles.
Abaixo irei transcrever os textos, mas o resultado já adianto: nada foi perdido, mas não tivemos resultados positivos. Eles tentavam fugir do foco a todo o momento, e insistiam no cansaço mental. Mas valeu a tentativa!

Grupo 1
Raul tem apenas 37 anos, mas sente-se muito cansado. Tudo para ele é cansativo, principalmente (con) viver. Estes dias ele ouviu que é um caso perdido. E muitas vezes isto é o que ele realmente pensa. Solitário de si mesmo, a droga é a tentativa iludida de encontrar-se.
Há muito tempo quer parar de usar drogas, quer fazer coisas simples como passar na padaria depois do trabalho e levar uns pães quentinhos para casa. Mas é tudo tão difícil... Quando ele decidiu parar de usar drogas pela primeira vez, aos 25 anos, seu objetivo era recuperar-se fisicamente. Eis a ambivalência - parou para melhorar o físico, contudo ficou exposto para si mesmo como um ser fragilizado, e perceber isso é muito doloroso. Não suportando essa dor, que também provoca sua onipotência, retornou ao uso, e como conseqüência a degradação física, entre outras. Hoje ele sabe que não basta só deixar as drogas, pois corre o risco de nas adversidades recorrer às "mesmas soluções", por não ter ocorrido mudanças interiores.
Depois de alguns longos anos, ele descobriu que o querer ficar limpo para manter o físico não era a única necessidade dele, o que ele queria realmente era ser completo, poder sentir emoções reais, fazer coisas simples, amar, sentir-se vivo, e mais: sentir-se alguém. Tarefa árdua para quem se considera um caso perdido.
Ele ouviu dizer que precisa se desprender do egoísmo, para gradativamente resgatar-se em um novo projeto de vida. E qualquer projeto de vida deve remeter ao outro. Um projeto de vida só pode ser considerado tal se o semelhante estiver presente. Mas isto tudo ele já sabe, ele sabe o que fazer, deseja realmente viver uma nova vida, mas algo se perde no meio do caminho.
Por ter ficado algum tempo sem drogas, hoje ele consegue identificar quando vai mal. Com ele acontece assim: às vezes ele sente demais, e outras vezes fica insensível. Em outras vezes ainda, tem pensamentos estranhos e começa a pensar que vai ficar louco. Este problema de lidar com os sentimentos o leva a ignorar suas emoções. Ele não consegue relaxar nem quando dorme. Sempre tem sonhos perturbadores. Ele tem um senso de fracasso muito grande, por ter agido na desonestidade, por ter manipulado, sente-se vazio. Experimenta cada vez mais dificuldades em controlar pensamentos, emoções, julgamentos e comportamentos. Esta progressiva perda de controle começa a causar problemas em todos as áreas de sua vida. Não importa o quanto tenta reconquistar o controle, é incapaz de consegui-lo. Acaba usando de um pensamento mágico. Deseja que as coisas melhorem sem fazer nada para melhorá-las, sem pagar o preço.
Na minha opinião, ele falhou em não reconhecer o seu progresso. O seu deslize foi em não se reconhecer humano, em não aceitar os seus erros. A maior batalha é vencer a si mesmo, é admitir o seu real tamanho. Não existem receitas extraordinárias. É o simples que funciona a todos.

Em sua opinião, onde Raul falhou?
O que foi descrito em termos de comportamento e características pessoais foi relato dele. A seu modo de ver, quais qualidades Raul possui?
Você o considera um caso perdido? Como seria um caso perdido?
No que ele pode apegar-se para vencer o vício?
Qual a mudança primordial no caso dele?
Você se identifica com algo neste relato?
Com base neste modelo, escreva sobre você, relate o seu caso.

Grupo 2
FÁBULA DA TARTARUGA
Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique.
As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram 07 anos preparando-se para o passeio. Passados 06 meses, após acharem o lugar ideal. Ao desembalarem a cesta de piquenique descobriram que estavam sem sal.
Então, designaram a tartaruga mais nova para voltar em casa e pegar o sal, por ser a mais rápida. A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou. Concordou em ir, mas com uma condição: que ninguém comeria até que ela retornasse.
Três anos se passaram… Seis anos… e a pequenina não tinha retornado.
Ao sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha já não suportando mais a fome, decidiu desembalar um sanduíche. Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou: - ‘Viu? Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal.’

Na nossa vida as coisas acontecem mais ou menos da mesma forma. Desperdiçamos nosso tempo esperando que as pessoas vivam à altura de nossas expectativas. Ficamos tão preocupados com o que os outros estão fazendo que deixamos de escrever nossa própria história.
Grupo 3
Uma casa com cupins
"Uma certa casa foi bem construída. Uma madeira de excelente qualidade foi utilizada.
E, embora ela tenha vários anos, ela ainda aparentava ser uma boa casa no seu aspecto externo.
Ela ainda parece ser forte. Entretanto, muitos anos atrás, cupins entraram na madeira e agora o problema é sério.
Impossível dizer quando eles chegaram. Não existem evidências externas de que eles estão trabalhando. Um dia veio uma tempestade. Uma grande tempestade, mas não maior do que muitas tempestades que já havia acontecido. A casa com cupins permanece de pé. Ela é sacudida por fortes ventos. As casas vizinhas são atingidas também. Quando a tempestade passou as outras casas estavam de pé, mas esta casa não.
Inicialmente houve surpresa por a tempestade ter distruído tal casa. Então, na madeira da casa desmoronada, o trabalho dos cupins foi descoberto.
As colunas estão cheias de buracos. Agora é fácil ver o que não se suspeitava antes. A casa tinha, na realidade, se tornado muito frágil.

sábado, 7 de março de 2009


Na semana do carnaval, com a ajuda da terapeuta ocupacional, tentei organizar na clínica uma gincana para que os pacientes pudessem participar de algo que os descontraíssem, distraíssem, algo que fizesse com que eles se movimentassem, se integrassem, enfim, algo mais leve para eles.
No começo estava dando certo, mas eles desistem muito fácil. Não há tolerância alguma à frustração, e o espírito de disputa deles está mais ligado à rivalidade do que à competitividade. Sem contar a indisciplina e a falta de limites. Tudo isto apareceu e atrapalhou a atividade, mas não ficou ao acaso, é tratado como sintoma, é trabalhado com eles.
No encerramento das atividades da gincana, fizemos uma dinâmica com o objetivo de focar os sentimentos bons, as qualidades a serem acrescentadas às relações, com a finalidade de reforçar o que há de positivo neles.
Para tanto, foi distribuída uma folha sulfite para cada pessoa, que deveria recortar a folha em quatro partes. Em cada parte deveria expressar (sem escrever) um sentimento que gostaria de trocar com o grupo. Foi levantada a questão:
O que você tem de bom e gostaria de trocar com o grupo?

Feito isto, eles foram orientados a caminhar pela sala, com as cartas viradas para si e na medida em que encontrassem com outros colegas, deveriam trocar as cartas, até substituir todas as suas. Terminado este procedimento, foram divididos dois grupos, onde cada deveria reunir todas as cartas dos participantes e contar uma história organizando as cartas em seqüência.
Realizada a exposição da história, abrimos uma discussão sobre os sentimentos mencionados, sobre a necessidade do grupo em trocar energias positivas e a abertura individual de cada um para receber algo bom do outro, aceitar o bem. Foi bem legal, eles gostaram do resultado e mostraram-se satisfeitos com a atividade e com a produção de cada grupo.
Uma variação desta atividade seria oferecer folhas coloridas para que eles pudessem escolher entre elas. As cores poderiam representar características sintomáticas da doença, servindo de referencia para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. Exemplo:
* As cartas azuis representam alguém com pensamentos rígidos, repetitivos, e com dificuldades em fazer escolhas.
* As cartas vermelhas representam incapacidade para relaxar, sentimento de culpa, ansiedade. Alguém que tem um medo consciente ou inconsciente de não ser capaz de permanecer sóbrio.
* As cartas amarelas referem-se a comportamentos impulsivos. Pessoa que evita tudo o que possa forçá-lo a uma honesta olhada em si mesmo.
* As cartas verdes simbolizam o desejo imaturo de ser feliz. Deseja que as coisas melhorem sem ter que pagar o preço. Autopiedade. Ressentimentos.
* Marrom: falta de satisfação com a vida, não consegue sentir prazer nas coisas simples. Tem dificuldade em sentir. Sente demais ou de menos.

A reflexão neste sentido, seguiria as seguintes indagações: Qual sentimento seria bom para pessoa superar este momento? O que ela deveria fazer para evoluir? Quais trocas seriam importantes pra ela?

quinta-feira, 5 de março de 2009

Trabalhei com o grupo uma técnica que possibilita o entendimento das necessidades emergentes do individuo, possibilitando insights. Trata-se de um modelo investigativo, criado por Walter Trinca, chamado desenho-história.
O procedimento técnico é o seguinte: pede-se que a pessoa realize uma série de cinco desenhos livres. Cada um deles é um estimulo para que se conte uma história associada livremente. E posteriormente dá-se o título da história. Portanto, são cinco desenhos, cinco histórias e cinco temas, seguindo a ordem desenho-história-tema.
Nos dois primeiros desenhos, a pessoa costuma fazer algo que lhe é familiar, e via de regra expressa a maneira como se apresenta ao mundo. O terceiro desenho aparece como conflito central, de certa maneira a pessoa expressa qual é a sua questão principal neste momento da vida, pode ser uma angústia predominante. Nas duas últimas produções, a pessoa expressa as saídas encontradas e desejadas para resolver seu conflito.
A aplicação foi bacana, o grupo participou sem tanta resistência. No momento das discussões surgiram alguns questionamentos, mas de maneira geral, as pessoas não apenas aceitaram o retorno dado por mim e pelos colegas, como também se esforçaram por buscar um entendimento a respeito do que foi proposto e disposto na atividade.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

MEDO


“Você chega ao ponto em que seus demônios, que são terríveis,
crescem menos e menos, enquanto você fica maior...”.

O tema medo foi trabalhado com o grupo esta semana. A proposta era construir um monstro, o mais horrível possível e amedrontador. O grupo foi dividido em dois e cada subgrupo produziu seu monstro. Abrimos para discussão, sendo que um grupo dirigiu sua produção mais para a questão do medo da morte, desenhando uma caveira e o inferno e o outro grupo simbolizou a questão do medo do preconceito, produzindo um bicho de sete cabeças, para representar a dificuldade que sofrem com a discriminação em relação a sua adicção.
Depois foi perguntado individualmente aos integrantes: Do que você tem medo?
As respostas variaram pouco, a maioria respondeu sobre o medo da droga, que desencadeia outros medos decorrentes, como: a morte, o medo da perda de pessoas queridas, da perda de controle da própria vida. Falaram também do medo de não conseguir as coisas pela discriminação social, do medo de recair no uso, do medo de fazer escolhas erradas, de não conseguir reconquistar a confiança das pessoas que ama. Também foi citado o medo de enlouquecer, de não mais ser possível se divertir sem a facilidade da droga, entre outros.
As respostas que eles trouxeram foram trabalhadas em vários sentidos, de acordo com as questões individuais, mas principalmente colocando em pauta a questão da coragem. O corajoso só existe diante do medo. Se uma pessoa pula de pára-quedas, mas não tem medo, ela não é corajosa, porque não teve que superar nada que a desafiasse. Encarar o medo, aceitá-lo, conviver com ele e superar é um processo que exige um ato de coragem e bravura. Desta maneira eles estão sendo estimulados a encarar seus monstros, e vencê-los.
As discussões foram encerradas com a poesia abaixo, estimulando a reflexão do grupo.

Nego-me a me submeter ao medo que me tira a alegria de minha liberdade, que não me deixa arriscar nada, que me torna pequeno e mesquinho, que me amarra, que me persegue, que ocupa negativamente minha imaginação, que sempre pinta visões sombrias.
No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo. Eu quero viver e não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por ter medo de ser sincero. Quero pisar firme porque estou seguro e não para encobrir meu medo.
E, quando me calo, quero fazê-lo por amor e não por temer as conseqüências de minhas palavras. Não quero acreditar em algo só pelo medo de não acreditar, não quero filosofar por medo que algo possa atingir-me de perto.
Não quero dobrar-me, só porque tenho medo de não ser amável. Não quero impor algo aos outros pelo medo de que possam impor algo a mim; por medo de errar, não quero tornar-me inativo.
Não quero fugir de volta para o velho, o inacreditável, por medo de não me sentir seguro no novo. Não quero fazer-me de importante porque tenho medo de que senão poderia ser ignorado.
Por convicção e amor, quero fazer o que faço e deixar de fazer o que deixo de fazer.
Do medo, quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor. E quero crer no reino que Existe em mim.
Rudolf Steiner

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Comecei a trabalhar em outra clínica. Embora seja diferente (muito melhor) da anterior, os pacientes trazem a mesma questão e eu encontro a mesma dificuldade no trabalho em grupo. Existe muita queixa e cansaço emocional (por estarem internados), além da ansiedade e do desânimo que eles tem quando o assunto é refletir, colocar a mente para trabalhar.
Reclamam que todo dia tem a mesma coisa e consideram muito duas reuniões por dia com a psicóloga, ou seja, comigo. Também acho pesado, e por isto trato de levar a eles as opções da Arteterapia.
Esta primeira semana, depois das apresentações e dos esforços neste sentido, trabalhei com eles uma música específica: Fogo, do Capital Inicial. O objetivo foi investigar a consciência deles em relação aos prejuízos que tiveram, decorrentes do uso de drogas, como a perda de controle de si mesmo, a impossibilidade de fazer escolhas por ser escravo do vicio, a dependência como aprisionamento de forma geral.
Primeiramente foi feita uma sensibilização reforçando o objetivo proposto, e a partir disto eles teriam que ouvir a música e expressar o sentimento experimentado utilizando uma folha sulfite, lápis de cor, canetinhas e giz de cera.
Terminada a produção manual, sugeri que se organizassem em dois subgrupos para conversar sobre o sentimento e a percepção que tiveram em relação ao que produziram, partilhando as experiências individuais, mas buscando um “apanhado geral”, para que as identificações fossem expostas para o outro grupo.
A partir daí, foi aberta a discussão com o “grupão”. Seguem alguns trechos da música que eles identificaram como marcantes:

“O poder de dominar é tentador, eu já não sinto nada, sou todo torpor” – o grupo falou sobre a confusão de sentimentos e de pensamentos, e sobre a perda de controle.
”É tão certo quanto calor do fogo, eu já não tenho escolha e participo do seu jogo” – falaram sobre a escravidão e sobre a impossibilidade de escolher. Não tinham opção, tinham que usar.
”Não consigo dizer se é bom ou mal. Assim como o ar me parece vital” – o grupo lembrou da fase em que ainda “namoravam” com a droga. Não pensavam em nada, só em usar e permanecer com aquela sensação que a droga proporcionava.
”Onde quer que eu vá e o que quer que eu faça, sem você não tem graça” – disseram que chegou um momento em que não conseguiam fazer mais nada sem a droga. Ela passou a ser prioridade na vida deles.
”Mas se você me perguntar eu digo sim, eu continuo porque a chuva não cai só sobre mim” – Não conseguiam dizer não.
”Vejo os outros todos estão tentando. É tão certo quanto calor do fogo. Eu já não tenho escolha e participo do seu jogo” – falaram dos momentos em que começaram a sentir os prejuízos do uso, mas não tinham força para parar.

Foi bem interessante o resultado deste trabalho. Além de ter alcançado o objetivo proposto, serviu para identificar a resistência que algumas pessoas tem de se remeter ao passado, a dificuldade que outros tem de manter o foco, de se concentrar.
Vale muito a pena um trabalho como este. Espero conseguir ajudá-los.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Até a semana passada eu estava desesperada atrás de um emprego que estivesse dentro do que eu gostaria realmente de fazer, ou seja, algo que me possibilitasse, como psicóloga, trabalhar com o terapêutico e com o social.
Pois bem, encontrei um emprego, pra trabalhar 3 dias da semana. Embora seja longe e pague pouco, trata-se de uma clinica especializada em dependência química e eu poderei dar continuidade no trabalho que já havia iniciado. Inclusive, poderei também retomar o objetivo primeiro deste blog, que era relatar as situações de trabalho, assim como os sentimentos e reflexões envolvidos. Agora é só tomar cuidado pra não cometer o erro anterior, pois me fez perder muito tempo. É incrível como certos erros atrasam a vida da gente!
Além do novo trabalho, voltaram às aulas da pós-graduação, e eu iniciei tudo esta semana. Adoro! Ah, e importante: estou há dois dias e meio sem fumar. Primeiro para economizar dinheiro, segundo para economizar o pulmão, terceiro porque eu não agüento mais meu namorido reclamando. Ou seja, por livre e espontânea pressão da vida. Se por um lado, dizer que é difícil é pouco, por outro não quero lamentações. Sendo vício, não tem outro jeito. É preciso suportar o batidão.
Estou bem feliz por tudo isso.
Mas como a vida não pode ser um mar de rosas, e nem tudo é perfeito... Continuo acima do peso, e com problemas de relacionamento no meu lar doce lar. Minha irmã mora comigo e é adolescente. Daquelas bem rebelde. Ela e meu namorido se odeiam. Amor e ódio andam juntos, eles se parecem muito, coisa e tal, mas o sentimento é forte: pode terminar em tragédia! Eles não se falam, mas quando um passa perto do outro sai faísca. E sempre sobra pra mim.
Não vou reclamar. Agradeço a Deus por me dar a mão na hora certa. Talvez minha vida fosse mais suave se eu não buscasse tanta certeza nas coisas, se eu só tivesse persistência e continuasse com alegria. Por enquanto está bom assim.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

“Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Freud.

Ontem falei sobre minha monografia com a Gua. Trata-se de um estudo de caso. Falei sobre o paciente, disse que possui traços de oralidade, que não está satisfeito com nada, que se sente vazio, e age como se o mundo devesse algo a ele. De fato ele é assim, mas é um bocado de outras coisas também. E, além disso, vários exemplos eu poderia dar para ilustrar o meu discurso, mas falei justamente este. A frase acima diz justamente isto: quando falamos do outro, existe algo de muito nosso naquilo. Em partes isto é óbvio, mas nem sempre nos damos conta.
A Gua, que não perde a oportunidade, fez-me ver que é em mim que os traços de oralidade estão bem aflorados. Ela queria que eu entendesse isto, e eu entendia, mais do que eu gostaria. Nem sempre a compreensão nos alivia de nossos medos, talvez só os intensifique. A verdade é que me sinto um saco sem fundo, sempre querendo mais. Quando me sinto assim, vem junto uma tendência gritante de me importar com a opinião alheia, me deixando insegura quanto ao meu próprio direcionamento.
Como conta o primeiro post deste blog eu havia parado de fumar. Como conta também, estava ensaiando uma dieta. Tudo desandou. To comendo e fumando que nem uma louca. E além disto, estou pentelhando meu marido como nunca. Fico cobrando elogios e insistindo em falar de sentimentos. Reclamo por ele não fazer exatamente tudo o que eu quero. E olha que ele esforça-se bastante. Exigir que um homem lhe de completa atenção é a melhor forma de fazer com que ele faça exatamente o contrário. E ele não exige muito, é uma criatura bem simples. Para agradá-lo basta deixar que ele assista futebol e filmes de terror, basta que toque violão e escute aquele rock horrível e irritante que ele curte. Ele quer apenas cumprimentos simples, e sexo honesto, comprometido, e de riso. Falo isto porque na relação vivo cobrando que me digam algo, como se a fala do outro pudesse sustentar o que sou.
E pra ajudar estou desempregada. Sinto-me hoje como se tivesse sido mastigada e cuspida um milhão de vezes. A semana se arrasta sem surpresas. Percebi como a maldita adrenalina nos sustenta nas horas difíceis. Só tenho agüentado firme porque a sensação não é de todo ruim para o espírito. Mas também é porque quando a coisa aperta, eu corro de um lado para outro esperando que as experiências sejam boas o suficiente para que eu possa ser saudosista. Mas vou deixar esta correria para outra hora, porque agora, sinceramente, me deu fome.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

DESEMPREGO.

Logo que se levanta olha para o relógio e pensa: “mas um dia inteiro pela frente!” Seria maravilhoso se não tivesse que escolher! Melhor: se não tivesse que correr atrás de opções para ter o que escolher.
Bem, como para estes dias não se tem muito a escolher, e precisa-se dançar conforme a música, então: levanta-se, olha para o relógio, pensa, lava o rosto. Neste processo sempre presta atenção em suas (imper) feições... Passa a mão pela sua superfície, deixando um rasto onde apenas os olhos a criticam com extraordinária crueza. Sabe que está mal, mas defende-se dizendo que é a selva lá fora quem a obriga (será??) a prosseguir a sua senda pelo que todos clamam. O sucesso. A supremacia? Valerá tudo? Existem muitos “poréns”, mas o que diz é que apenas precisa de um emprego que a permita realizar sua missão.
Para ninguém é fácil estar desempregada, mas ela faz parecer catástrofe. Nada extraordinário frente ao que seu espírito de absurdos já tenha experimentado antes.
Há quem diga que tudo deriva do medo da perda de controle, ou de submeter-se ao cuidado do outro. Mas não é tão simples assim, se não o pulso não irradiaria esta dor imensa para todo o braço.
A amiga diz: “Não seja ansiosa demais, as coisas não acontecem no tempo que você quer, tudo tem seu próprio tempo”. Ela até utiliza estas sugestões como alternativa para aliviar a tensão, mas o que ela se lembra sempre é de que desde que nasceu, nunca houve alguém para lhe dizer que havia uma linha que nunca deveria ser ultrapassada. Apesar disso, ela insiste em andar sempre em linhas seguras. Vez ou outra ela arrisca. E foi o que aconteceu desta vez, arriscou. E até que dê a volta por cima, até que o mal se converta em bem, ela grita a plenos pulmões em revolta e terror. A vida já lhe deu diversas surras - como se ela precisasse ser repreendida tantas vezes. Apesar de considerar a vida justa, ela sente-se injustiçada, e mantém o rosto sempre o mesmo, duro e decidido, como se não temesse.
No fundo ela sabe que é medo o que sente. Não medo do escuro ou dos raios da tempestade, mas um medo irracional de ver a vida passar sem ter feito algo digno de nota. Tenta ser perfeita sem perceber que sua busca somente a torna lenta. Vigia cada minuto que passa em busca daquele que transformaria sua vida. Nessa vigília incessante perde chances de se transformar, de se reinventar, de descobrir um caminho realmente glorioso para sua vida.
Apesar de seus lamentos extremistas, ela lembra-se com êxtase de que muitas outras vezes também arriscou e deu certo. Seu primeiro beijo, escondido da mãe que podia aparecer e castigá-la por meses, a deixou tremula. Seu primeiro emprego, a primeira vista impossível de ser conquistado, a fez ver um futuro até então inimaginável. Seu primeiro carro, totalmente fora dos orçamentos, lhe deu liberdade. Seu primeiro conto, imperfeito em sentidos, a fez felizmente, insana. Ela não cansa de olhar para trás e lembrar do desespero, do amor, da tristeza, da paixão, do carinho. É importante olhar para trás e sentir que em sua vida houve de tudo um pouco e que cada lagrima foi contrabalançada por um sorriso.
No fundo, ela sabe o que vai acontecer. Claro que sabe. E eu que não sou boba não fico pelos cantos, espiando uma pista para alcançar seus passos. Sem que eu peça, ela me conta. E faz isto porque sabe que eu a amo, e conta para que eu tenha mais sonhos para sonhar. Quem pode recusar quimeras quando se tem um nada como ponto de partida?
... Olha o relógio, fuma um cigarro, olha o relógio, deita. Termina o dia com a excitação que somente as terças-feiras lhe dão.


O amor sobrevive à intriga, mas não sem pagar um preço.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Eu, suja de mim...

Tem gente que passa a vida em fase preparatória......
É certo que tudo que exige um preparo, tende a ser mais caprichoso, no mínimo. Se é que o capricho importa - na minha opinião, o modo de ser de improviso desperta emoções mais intensas.
E o mais surpreendente é que tem gente que gasta o tempo preparando a vida antes de viver, como se fosse um ritual quase religioso, mas não gasta o tempo revendo as experiências, no sentido de aprender com elas.Sei que não prestam atenção a muitas coisas porque dói, mas mesmo assim acho que vale a pena. Outros pensam que não. A gente não revê o que não vale a pena, pois!
Sei que hoje, 10h34 da manhã, em plena luz do dia, a solidão me atravessa o peito, me vejo nua e de mãos vazias, mas recebo suas palavras. E porque meu Poder Superior sabe que tem dias em que eu não me basto, ele me presenteia com amigos... e mesmo que eu ainda suspeite deste Poder, hoje eu posso sentir que é Ele quem me limpa, quando me sinto suja de mim...

O dia de hoje é o mais importante

A gente acorda, e vive a repetição... Horário para tudo. Nós, mulheres tão cheias de si, vestidas com brilhos, calçando alturas, com os olhos desenhados. Olhos pintados! Desenhados! Olhos! Olhos! Olhos! Não vês? Não ouves? Cópias! Caricaturas! Mentiras!
Tantas vezes acontece de, no fim do dia eu estar completamente suja, e tentar me reerguer, e ainda conseguir amar com tanto esforço, que até (pré) vejo a queda de tudo o quanto amo. Meus temores – tremores, pavores, rancores, sabores, rumores, tantos-amores... As idéias morrendo sem nem terem nascido.
E eu subo aqueles degraus estreitos que tem na minha casa, almejando que sejam mais largos... para que se por acaso, eu não conseguir subir um dia, eu possa ficar mais confortável, por um tempo maior, no degrau onde estou. Simplesmente porque às vezes dá preguiça. E a preguiça contamina, desanima, desatina...
Mas também me inspira a sair do cotidiano e entrar em outros níveis. Em outra sensação do mundo. A vida é mais sutil do que isto, mais rica de sensações. É preciso contemplar a calma, na poesia, no gozo do inconsciente, na perda, no esvaziamento, no desprendimento, na queda. Preciso muito disso. E às vezes fico muito triste quando sinto que a vida desaparece aqui dentro.
Por isso sempre procuro, de perto, de longe, no escuro, no absurdo, vagueio, alucino, recuo.
Escuta-me, te digo:
- Será que pode ser do meu jeito? Podes fazer minha vontade?
E só porque o dia de hoje é o mais importante, decidi aceitar que nem tudo tem respostas.

E aquelas quedas – como as de Cristo que várias vezes caiu ao peso da cruz – e aquelas quedas é que começavam a fazer sua vida.

Já disse muitas vezes que devemos cuidar da nossa espiritualidade, que se nossos movimentos forem direcionados para o bem, qualquer mal que aparecer será revertido em positividade. E agora é a minha vez de acreditar nisso para que eu possa levantar de mais um tombo.
Comecei o ano com uma dor no estomago, daquelas que alguém sente quando cai em um abismo. Ta certo, tudo passa, mas o fato é que viver nunca foi uma tarefa fácil pra mim. Isto de acumular memórias e afetos me deixa exausta. E agora me sinto assim: cheia de nada, toda razão se esvaziou, e continuo (des) esperando o amanhã chegar para que traga uma nova oportunidade.E porque tenho que reformular minha vida após perder meu emprego, irei reformular junto este blog. Acontece que eu pensei este blog como uma maneira de registrar minhas experiências profissionais em uma instituição específica em que eu trabalhava, que era uma clínica de recuperação de dependência química, e em decorrência de questões absurdas, eu saí de lá. Inesperadamente. Sem preparo e aviso prévio. Sem ao menos um porquê consistente.
Vou adaptar este blog a minha necessidade atual, que é falar de pensamentos e sentimentos. Afinal, a escrita é minha língua de fuga. A fuga se faz justamente na palavra que se realiza por si mesma, que me coloca no anonimato. Aqui não sou eu quem diz. A própria palavra diz-se. E isto me recorda o espanto que vem da necessidade de me esconder e ao mesmo tempo de me mostrar. O desgosto é perceber que às vezes faço e penso coisas das quais me envergonho e não quero que saibam que eu sou assim. Mas eu sou. Aliás, quase todo dia eu decido que amanhã vai ser diferente. Geralmente eu consigo nas primeiras horas, mas como disse Clarisse: existe a trajetória! E a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. É neste ponto que eu me perco, escorrego, e cometo os mesmos erros de ontem. E de antes de ontem. Minha vida não passa de um ontem não resolvido.A questão da minha vida é exatamente esta: eu insisto em andar na contramão. E hoje estou nesta situação justamente por ter escolhido me arriscar.
Minha verdadeira paixão sempre foi o homem selvagem, mas o problema é que eu vivo pintando o homem civil, por medo de me arriscar. Desta vez não tive medo, e estou pagando o preço. Pelo menos tentei. E esta grande vibração que sinto me estimula a tornar real toda irrealização na minha vida, e me encoraja a inaugurar cada manhã como um novo horizonte de possibilidades.Aí é que eu me apelo para a palavra, como língua de fuga. Não é uma escolha minha. É mais uma necessidade incontornável. Pra ver se me enxergo. Pra tentar alguma presença dentro de uma ausência, mesmo sabendo que no começo dói.Depois passa. Assim, eu pretendo me libertar do que sou eu. Não buscando explicações para os absurdos nossos de cada dia, mas aceitando os meus defeitos. E o mais difícil: convivendo com o que não desgruda de mim, aquilo que me faz miserável.

domingo, 4 de janeiro de 2009

ORGULHO

Em N.A. fala-se em defeitos de caráter. Dentro dos princípios da irmandade, trabalhar os defeitos de caráter, significa visar à firmeza moral, que sustenta princípios, que definem as escolhas. O caráter é a soma de nossos vícios, hábitos e virtudes. Aristóteles escreveu sobre o assunto: “A virtude moral é uma conseqüência do hábito. Nós nos tornamos o que fazemos repetidamente. Ou seja: nós nos tornamos justos ao praticarmos atos justos, controlados ao praticarmos atos de autocontrole, corajosos ao praticarmos atos de bravura”. Portanto, o caráter é formado pelas nossas escolhas, no dia-a-dia. Chico Xavier disse: “Não é possível fazer um novo começo, mas qualquer um pode recomeçar agora e fazer um novo fim.” Por ser hoje o melhor dia para decidirmos escolher a coisa certa, decidimos falar sobre o orgulho, um dos defeitos de caráter muito presente no comportamento do adicto.Para explanar o tema, o grupo foi dividido em dois e cada subgrupo fez um cartaz relacionando sentimentos e situações ao orgulho.
Falaram de superioridade, frustração, auto-aceitação. Todos identificaram o orgulho como sendo um sentimento que prejudica a recuperação. Identificaram que o orgulho em excesso pode se transformar em vaidade, ostentação, vanglória, soberba e egoísmo.
Nos cartazes, colocaram a pessoa orgulhosa como aquela que diz: “sempre fui assim e não vou mudar meu estilo”. Em muitos pontos se identificaram com um ego orgulhoso, no sentido de não aceitarem críticas, de não dar o braço a torcer. A pessoa orgulhosa fica estagnada na falsa posição de superioridade e defende suas idéias não porque acredita nelas, mas porque são suas. O grupo levou à reflexão também, a razão de ser do orgulho, como fruto do medo de sentir-se vulnerável, da falta de confiança em si, do sentimento de inferioridade, entre outros.

Após aprofundarmos em questões pessoais, trabalhamos em cima de ferramentas para evitar um ego orgulhoso. A linha de raciocínio derivou do seguinte:
Pare de sentir-se ofendido. Significa que a atitude dos outros não pode determinar o seu humor ou o seu comportamento. Quer dizer também que se procurar por situações que o aborreça, as encontrará em cada esquina. É necessário entrar em sintonia com um Poder Superior, buscando a serenidade, e Paz.
Abandone o querer vencer. O ego adora nos dividir entre ganhadores e perdedores, mas é impossível vencer sempre. É necessário apreciar a vida sem a necessidade de ganhar um troféu. Não há perdedores em um mundo onde todos compartilham da mesma fonte de energia.
Abandone o querer estar certo. Cessar a necessidade de ter razão nas discussões e nos relacionamentos é como dizer ao ego: “não sou seu escravo”. É melhor ter paz do que ter razão.
Abandone o querer ser superior. A verdadeira nobreza não é uma questão de ser melhor que os outros. É uma questão de ser melhor ao que você era. ”Somos todos iguais aos olhos de Deus”. Não se vanglorie com a falha do outro.
Deixe de querer ter mais. O ego nunca está satisfeito. Não importa o quanto conseguiu, ele insiste que ainda não é o suficiente. Na realidade você já está lá e a forma que opta para usar o momento presente é uma escolha. Você pode escolher o desapego de razões egoístas.
Abandone a idéia de você baseado em seus feitos. Seja grato. Peça ajuda. Acredite na presença de Deus fortalecendo suas realizações. Aceite seus erros.
Deixe sua reputação de lado. Sua reputação reside na mente dos outros, você não tem controle algum sobre isso. Ao preocupar-se em como está sendo visto pelos outros, mostra que seu eu está sendo guiado pelas opiniões alheias. É o seu ego no controle. Você não precisa desperdiçar sua energia provando ao outro o quanto é capaz e poderoso. Guie-se sempre pela voz interior.

Para mim, é enorme o crescimento pessoal e profissional que surge da relação que tenho com meus pacientes. É muito rico, é muito incrível. Hoje por exemplo, percebi algo que vem acontecendo e pude usar isto como ferramenta na discussão deste tema. Percebi que há muito tempo, eles estão me desafiando e perseguindo oportunidades para aproveitar as minhas palavras mal colocadas para apontar como eu também erro, como sou falha. Não apenas imagino, como também sinto, o quanto é difícil para eles a mudança, abrir mão das próprias vontades, fazer diferente. Nas tentativas frustradas, seus sentimentos de incapacidade, de inferioridade parecem vir com força total, sendo capaz de ofuscar qualquer progresso. E neste momento eles buscam com afinco formas de dizer o quanto o outro também erra, para que seu erro torne-se menor.
É muito difícil trabalhar se eu também não admitir meu erro, se eu também não me reconhecer humana, se eu não aceitar minhas quedas. E as quedas - como as de Cristo que várias vezes caiu ao peso da cruz – são estas quedas que começam a fazer minha vida, que me possibilitam ser psicóloga.