terça-feira, 20 de janeiro de 2009

DESEMPREGO.

Logo que se levanta olha para o relógio e pensa: “mas um dia inteiro pela frente!” Seria maravilhoso se não tivesse que escolher! Melhor: se não tivesse que correr atrás de opções para ter o que escolher.
Bem, como para estes dias não se tem muito a escolher, e precisa-se dançar conforme a música, então: levanta-se, olha para o relógio, pensa, lava o rosto. Neste processo sempre presta atenção em suas (imper) feições... Passa a mão pela sua superfície, deixando um rasto onde apenas os olhos a criticam com extraordinária crueza. Sabe que está mal, mas defende-se dizendo que é a selva lá fora quem a obriga (será??) a prosseguir a sua senda pelo que todos clamam. O sucesso. A supremacia? Valerá tudo? Existem muitos “poréns”, mas o que diz é que apenas precisa de um emprego que a permita realizar sua missão.
Para ninguém é fácil estar desempregada, mas ela faz parecer catástrofe. Nada extraordinário frente ao que seu espírito de absurdos já tenha experimentado antes.
Há quem diga que tudo deriva do medo da perda de controle, ou de submeter-se ao cuidado do outro. Mas não é tão simples assim, se não o pulso não irradiaria esta dor imensa para todo o braço.
A amiga diz: “Não seja ansiosa demais, as coisas não acontecem no tempo que você quer, tudo tem seu próprio tempo”. Ela até utiliza estas sugestões como alternativa para aliviar a tensão, mas o que ela se lembra sempre é de que desde que nasceu, nunca houve alguém para lhe dizer que havia uma linha que nunca deveria ser ultrapassada. Apesar disso, ela insiste em andar sempre em linhas seguras. Vez ou outra ela arrisca. E foi o que aconteceu desta vez, arriscou. E até que dê a volta por cima, até que o mal se converta em bem, ela grita a plenos pulmões em revolta e terror. A vida já lhe deu diversas surras - como se ela precisasse ser repreendida tantas vezes. Apesar de considerar a vida justa, ela sente-se injustiçada, e mantém o rosto sempre o mesmo, duro e decidido, como se não temesse.
No fundo ela sabe que é medo o que sente. Não medo do escuro ou dos raios da tempestade, mas um medo irracional de ver a vida passar sem ter feito algo digno de nota. Tenta ser perfeita sem perceber que sua busca somente a torna lenta. Vigia cada minuto que passa em busca daquele que transformaria sua vida. Nessa vigília incessante perde chances de se transformar, de se reinventar, de descobrir um caminho realmente glorioso para sua vida.
Apesar de seus lamentos extremistas, ela lembra-se com êxtase de que muitas outras vezes também arriscou e deu certo. Seu primeiro beijo, escondido da mãe que podia aparecer e castigá-la por meses, a deixou tremula. Seu primeiro emprego, a primeira vista impossível de ser conquistado, a fez ver um futuro até então inimaginável. Seu primeiro carro, totalmente fora dos orçamentos, lhe deu liberdade. Seu primeiro conto, imperfeito em sentidos, a fez felizmente, insana. Ela não cansa de olhar para trás e lembrar do desespero, do amor, da tristeza, da paixão, do carinho. É importante olhar para trás e sentir que em sua vida houve de tudo um pouco e que cada lagrima foi contrabalançada por um sorriso.
No fundo, ela sabe o que vai acontecer. Claro que sabe. E eu que não sou boba não fico pelos cantos, espiando uma pista para alcançar seus passos. Sem que eu peça, ela me conta. E faz isto porque sabe que eu a amo, e conta para que eu tenha mais sonhos para sonhar. Quem pode recusar quimeras quando se tem um nada como ponto de partida?
... Olha o relógio, fuma um cigarro, olha o relógio, deita. Termina o dia com a excitação que somente as terças-feiras lhe dão.


O amor sobrevive à intriga, mas não sem pagar um preço.

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