segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

MEDO


“Você chega ao ponto em que seus demônios, que são terríveis,
crescem menos e menos, enquanto você fica maior...”.

O tema medo foi trabalhado com o grupo esta semana. A proposta era construir um monstro, o mais horrível possível e amedrontador. O grupo foi dividido em dois e cada subgrupo produziu seu monstro. Abrimos para discussão, sendo que um grupo dirigiu sua produção mais para a questão do medo da morte, desenhando uma caveira e o inferno e o outro grupo simbolizou a questão do medo do preconceito, produzindo um bicho de sete cabeças, para representar a dificuldade que sofrem com a discriminação em relação a sua adicção.
Depois foi perguntado individualmente aos integrantes: Do que você tem medo?
As respostas variaram pouco, a maioria respondeu sobre o medo da droga, que desencadeia outros medos decorrentes, como: a morte, o medo da perda de pessoas queridas, da perda de controle da própria vida. Falaram também do medo de não conseguir as coisas pela discriminação social, do medo de recair no uso, do medo de fazer escolhas erradas, de não conseguir reconquistar a confiança das pessoas que ama. Também foi citado o medo de enlouquecer, de não mais ser possível se divertir sem a facilidade da droga, entre outros.
As respostas que eles trouxeram foram trabalhadas em vários sentidos, de acordo com as questões individuais, mas principalmente colocando em pauta a questão da coragem. O corajoso só existe diante do medo. Se uma pessoa pula de pára-quedas, mas não tem medo, ela não é corajosa, porque não teve que superar nada que a desafiasse. Encarar o medo, aceitá-lo, conviver com ele e superar é um processo que exige um ato de coragem e bravura. Desta maneira eles estão sendo estimulados a encarar seus monstros, e vencê-los.
As discussões foram encerradas com a poesia abaixo, estimulando a reflexão do grupo.

Nego-me a me submeter ao medo que me tira a alegria de minha liberdade, que não me deixa arriscar nada, que me torna pequeno e mesquinho, que me amarra, que me persegue, que ocupa negativamente minha imaginação, que sempre pinta visões sombrias.
No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo. Eu quero viver e não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por ter medo de ser sincero. Quero pisar firme porque estou seguro e não para encobrir meu medo.
E, quando me calo, quero fazê-lo por amor e não por temer as conseqüências de minhas palavras. Não quero acreditar em algo só pelo medo de não acreditar, não quero filosofar por medo que algo possa atingir-me de perto.
Não quero dobrar-me, só porque tenho medo de não ser amável. Não quero impor algo aos outros pelo medo de que possam impor algo a mim; por medo de errar, não quero tornar-me inativo.
Não quero fugir de volta para o velho, o inacreditável, por medo de não me sentir seguro no novo. Não quero fazer-me de importante porque tenho medo de que senão poderia ser ignorado.
Por convicção e amor, quero fazer o que faço e deixar de fazer o que deixo de fazer.
Do medo, quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor. E quero crer no reino que Existe em mim.
Rudolf Steiner

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Comecei a trabalhar em outra clínica. Embora seja diferente (muito melhor) da anterior, os pacientes trazem a mesma questão e eu encontro a mesma dificuldade no trabalho em grupo. Existe muita queixa e cansaço emocional (por estarem internados), além da ansiedade e do desânimo que eles tem quando o assunto é refletir, colocar a mente para trabalhar.
Reclamam que todo dia tem a mesma coisa e consideram muito duas reuniões por dia com a psicóloga, ou seja, comigo. Também acho pesado, e por isto trato de levar a eles as opções da Arteterapia.
Esta primeira semana, depois das apresentações e dos esforços neste sentido, trabalhei com eles uma música específica: Fogo, do Capital Inicial. O objetivo foi investigar a consciência deles em relação aos prejuízos que tiveram, decorrentes do uso de drogas, como a perda de controle de si mesmo, a impossibilidade de fazer escolhas por ser escravo do vicio, a dependência como aprisionamento de forma geral.
Primeiramente foi feita uma sensibilização reforçando o objetivo proposto, e a partir disto eles teriam que ouvir a música e expressar o sentimento experimentado utilizando uma folha sulfite, lápis de cor, canetinhas e giz de cera.
Terminada a produção manual, sugeri que se organizassem em dois subgrupos para conversar sobre o sentimento e a percepção que tiveram em relação ao que produziram, partilhando as experiências individuais, mas buscando um “apanhado geral”, para que as identificações fossem expostas para o outro grupo.
A partir daí, foi aberta a discussão com o “grupão”. Seguem alguns trechos da música que eles identificaram como marcantes:

“O poder de dominar é tentador, eu já não sinto nada, sou todo torpor” – o grupo falou sobre a confusão de sentimentos e de pensamentos, e sobre a perda de controle.
”É tão certo quanto calor do fogo, eu já não tenho escolha e participo do seu jogo” – falaram sobre a escravidão e sobre a impossibilidade de escolher. Não tinham opção, tinham que usar.
”Não consigo dizer se é bom ou mal. Assim como o ar me parece vital” – o grupo lembrou da fase em que ainda “namoravam” com a droga. Não pensavam em nada, só em usar e permanecer com aquela sensação que a droga proporcionava.
”Onde quer que eu vá e o que quer que eu faça, sem você não tem graça” – disseram que chegou um momento em que não conseguiam fazer mais nada sem a droga. Ela passou a ser prioridade na vida deles.
”Mas se você me perguntar eu digo sim, eu continuo porque a chuva não cai só sobre mim” – Não conseguiam dizer não.
”Vejo os outros todos estão tentando. É tão certo quanto calor do fogo. Eu já não tenho escolha e participo do seu jogo” – falaram dos momentos em que começaram a sentir os prejuízos do uso, mas não tinham força para parar.

Foi bem interessante o resultado deste trabalho. Além de ter alcançado o objetivo proposto, serviu para identificar a resistência que algumas pessoas tem de se remeter ao passado, a dificuldade que outros tem de manter o foco, de se concentrar.
Vale muito a pena um trabalho como este. Espero conseguir ajudá-los.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Até a semana passada eu estava desesperada atrás de um emprego que estivesse dentro do que eu gostaria realmente de fazer, ou seja, algo que me possibilitasse, como psicóloga, trabalhar com o terapêutico e com o social.
Pois bem, encontrei um emprego, pra trabalhar 3 dias da semana. Embora seja longe e pague pouco, trata-se de uma clinica especializada em dependência química e eu poderei dar continuidade no trabalho que já havia iniciado. Inclusive, poderei também retomar o objetivo primeiro deste blog, que era relatar as situações de trabalho, assim como os sentimentos e reflexões envolvidos. Agora é só tomar cuidado pra não cometer o erro anterior, pois me fez perder muito tempo. É incrível como certos erros atrasam a vida da gente!
Além do novo trabalho, voltaram às aulas da pós-graduação, e eu iniciei tudo esta semana. Adoro! Ah, e importante: estou há dois dias e meio sem fumar. Primeiro para economizar dinheiro, segundo para economizar o pulmão, terceiro porque eu não agüento mais meu namorido reclamando. Ou seja, por livre e espontânea pressão da vida. Se por um lado, dizer que é difícil é pouco, por outro não quero lamentações. Sendo vício, não tem outro jeito. É preciso suportar o batidão.
Estou bem feliz por tudo isso.
Mas como a vida não pode ser um mar de rosas, e nem tudo é perfeito... Continuo acima do peso, e com problemas de relacionamento no meu lar doce lar. Minha irmã mora comigo e é adolescente. Daquelas bem rebelde. Ela e meu namorido se odeiam. Amor e ódio andam juntos, eles se parecem muito, coisa e tal, mas o sentimento é forte: pode terminar em tragédia! Eles não se falam, mas quando um passa perto do outro sai faísca. E sempre sobra pra mim.
Não vou reclamar. Agradeço a Deus por me dar a mão na hora certa. Talvez minha vida fosse mais suave se eu não buscasse tanta certeza nas coisas, se eu só tivesse persistência e continuasse com alegria. Por enquanto está bom assim.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

“Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Freud.

Ontem falei sobre minha monografia com a Gua. Trata-se de um estudo de caso. Falei sobre o paciente, disse que possui traços de oralidade, que não está satisfeito com nada, que se sente vazio, e age como se o mundo devesse algo a ele. De fato ele é assim, mas é um bocado de outras coisas também. E, além disso, vários exemplos eu poderia dar para ilustrar o meu discurso, mas falei justamente este. A frase acima diz justamente isto: quando falamos do outro, existe algo de muito nosso naquilo. Em partes isto é óbvio, mas nem sempre nos damos conta.
A Gua, que não perde a oportunidade, fez-me ver que é em mim que os traços de oralidade estão bem aflorados. Ela queria que eu entendesse isto, e eu entendia, mais do que eu gostaria. Nem sempre a compreensão nos alivia de nossos medos, talvez só os intensifique. A verdade é que me sinto um saco sem fundo, sempre querendo mais. Quando me sinto assim, vem junto uma tendência gritante de me importar com a opinião alheia, me deixando insegura quanto ao meu próprio direcionamento.
Como conta o primeiro post deste blog eu havia parado de fumar. Como conta também, estava ensaiando uma dieta. Tudo desandou. To comendo e fumando que nem uma louca. E além disto, estou pentelhando meu marido como nunca. Fico cobrando elogios e insistindo em falar de sentimentos. Reclamo por ele não fazer exatamente tudo o que eu quero. E olha que ele esforça-se bastante. Exigir que um homem lhe de completa atenção é a melhor forma de fazer com que ele faça exatamente o contrário. E ele não exige muito, é uma criatura bem simples. Para agradá-lo basta deixar que ele assista futebol e filmes de terror, basta que toque violão e escute aquele rock horrível e irritante que ele curte. Ele quer apenas cumprimentos simples, e sexo honesto, comprometido, e de riso. Falo isto porque na relação vivo cobrando que me digam algo, como se a fala do outro pudesse sustentar o que sou.
E pra ajudar estou desempregada. Sinto-me hoje como se tivesse sido mastigada e cuspida um milhão de vezes. A semana se arrasta sem surpresas. Percebi como a maldita adrenalina nos sustenta nas horas difíceis. Só tenho agüentado firme porque a sensação não é de todo ruim para o espírito. Mas também é porque quando a coisa aperta, eu corro de um lado para outro esperando que as experiências sejam boas o suficiente para que eu possa ser saudosista. Mas vou deixar esta correria para outra hora, porque agora, sinceramente, me deu fome.