quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Comecei a trabalhar em outra clínica. Embora seja diferente (muito melhor) da anterior, os pacientes trazem a mesma questão e eu encontro a mesma dificuldade no trabalho em grupo. Existe muita queixa e cansaço emocional (por estarem internados), além da ansiedade e do desânimo que eles tem quando o assunto é refletir, colocar a mente para trabalhar.
Reclamam que todo dia tem a mesma coisa e consideram muito duas reuniões por dia com a psicóloga, ou seja, comigo. Também acho pesado, e por isto trato de levar a eles as opções da Arteterapia.
Esta primeira semana, depois das apresentações e dos esforços neste sentido, trabalhei com eles uma música específica: Fogo, do Capital Inicial. O objetivo foi investigar a consciência deles em relação aos prejuízos que tiveram, decorrentes do uso de drogas, como a perda de controle de si mesmo, a impossibilidade de fazer escolhas por ser escravo do vicio, a dependência como aprisionamento de forma geral.
Primeiramente foi feita uma sensibilização reforçando o objetivo proposto, e a partir disto eles teriam que ouvir a música e expressar o sentimento experimentado utilizando uma folha sulfite, lápis de cor, canetinhas e giz de cera.
Terminada a produção manual, sugeri que se organizassem em dois subgrupos para conversar sobre o sentimento e a percepção que tiveram em relação ao que produziram, partilhando as experiências individuais, mas buscando um “apanhado geral”, para que as identificações fossem expostas para o outro grupo.
A partir daí, foi aberta a discussão com o “grupão”. Seguem alguns trechos da música que eles identificaram como marcantes:

“O poder de dominar é tentador, eu já não sinto nada, sou todo torpor” – o grupo falou sobre a confusão de sentimentos e de pensamentos, e sobre a perda de controle.
”É tão certo quanto calor do fogo, eu já não tenho escolha e participo do seu jogo” – falaram sobre a escravidão e sobre a impossibilidade de escolher. Não tinham opção, tinham que usar.
”Não consigo dizer se é bom ou mal. Assim como o ar me parece vital” – o grupo lembrou da fase em que ainda “namoravam” com a droga. Não pensavam em nada, só em usar e permanecer com aquela sensação que a droga proporcionava.
”Onde quer que eu vá e o que quer que eu faça, sem você não tem graça” – disseram que chegou um momento em que não conseguiam fazer mais nada sem a droga. Ela passou a ser prioridade na vida deles.
”Mas se você me perguntar eu digo sim, eu continuo porque a chuva não cai só sobre mim” – Não conseguiam dizer não.
”Vejo os outros todos estão tentando. É tão certo quanto calor do fogo. Eu já não tenho escolha e participo do seu jogo” – falaram dos momentos em que começaram a sentir os prejuízos do uso, mas não tinham força para parar.

Foi bem interessante o resultado deste trabalho. Além de ter alcançado o objetivo proposto, serviu para identificar a resistência que algumas pessoas tem de se remeter ao passado, a dificuldade que outros tem de manter o foco, de se concentrar.
Vale muito a pena um trabalho como este. Espero conseguir ajudá-los.

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