sexta-feira, 13 de março de 2009

Escolha cuidadosamente suas palavras

Como eu disse no texto anterior, esta semana os garotos da clínica estavam terríveis, e resistentes a qualquer trabalho terapêutico. Nas reuniões em grupo, o assunto girava em torno apenas de críticas em relação à clínica e ao tratamento de uns em relação aos outros. Absurdamente impulsivos e extremistas, mostraram-se longe de qualquer possibilidade onde haja bom senso e discernimento.
Devido ao clima, achei que seria interessante uma atividade onde pudessem ser trabalhadas as dificuldades de relacionamento, onde pudéssemos discutir os comportamentos disfuncionais que precisam ser modificados, estimulando o respeito as individualidades, a maneira de lidar com os conflitos, e a delimitação de limites.
Dei a eles papel e caneta e pedi para que dissessem três coisas que não gostam que lhes digam, ou que ficam mal ao ouvir. Recolhi os papéis e redistribui a pessoas diferentes. Cada um teria que relatar se aquilo que está escrito ocorre em sua vida e como lidaria caso ocorresse.
Assim que terminaram, formamos um círculo para discutir as opiniões. No início fluiu bem, mas eles estavam muito impacientes e não conseguiam ouvir o colega, nem aprofundar o assunto.
De qualquer maneira, algumas questões puderam ser abordadas: um dos participantes disse que fica mal quando alguém fala ou faz coisas pelas costas e depois se finge de amigo. Ou quando falam de drogas perto dele. Ou quando é acusado por algo que não fez. As observações para estas colocações foram relacionadas a evitar certas pessoas, e situações ou dar uma "lição" no outro, ou seja, partir para agressão. Depois de ouvir a opinião de alguns e de serem similares, ficou claro que no ponto de vista deles, se alguém agiu ofensivamente, merece ser ignorado ou agredido. Não há meio termo, não existem outras possibilidades. Pontuei isto a eles e estimulei a reflexão do quanto este tipo de comportamento atrapalha nos momentos de crise.
Outro participante, ao falar sobre sua opinião acrescentou que o incomoda pessoas que agem de má fé, ou pessoas estúpidas, e as sugestões não variaram, estiveram em torno do mesmo extremismo, do 8 ou 80, do tudo ou nada. Outras colocações foram feitas: a respeito da mentira, da dificuldade em alcançarem objetivos. As respostas permaneceram fechadas, sem abertura de novas possibilidades.
Também foi falado em injustiça, em ser responsabilizado injustamente por algo que não se fez. Sobre desconfiança. Sobre questões que se fossem levadas a serio e aprofundadas poderiam somar e estimular a mudança de comportamento que eles precisam tanto iniciar.
Além disso, ao invés de buscarem o foco, eles insistiam em questionar e criticar constantemente. Quando o colega falava de uma atitude positiva, o outro interrompia dizendo que não adiantava idealizar aquilo se no momento agiam de outra maneira. "Mas isto é obvio - eu disse a eles - caso se comportassem adequadamente nada disso precisaria ser trabalhado". Disse também que o objetivo da atividade não é fazer com que eles seguissem o politicamente correto, mas que tomassem para si a decisão sobre suas atitudes. Que pudesse escolher a forma de agir a partir de uma reflexão pessoal, de um fundamento. Esclareci que existem situações que nos “tiram do sério”, que não dá pra agir desta maneira a todo o momento, mas que na maioria das vezes o saudável é agir assim: "se eu achar que o fato de o outro ter sido mal educado comigo, me permite dar uma resposta à altura, que eu faça isto porque pensei em outras possibilidades, porque através de algumas experiências e tentativas neste sentido, percebi que o melhor mesmo era agir assim. E não porque fui levada a isto, ou porque não consigo agir de outra maneira. E o mais importante é estar aberto para mudança se aquela maneira não servir mais".
Realmente para funcionar assim é preciso muita coragem e força do ego, muita persistência e disposição. E a dificuldade em conseguir está justamente na dificuldade pela qual não deu certo a atividade. Falta de vontade de uns, tendência a criticar antes de refletir de outros, e preguiça de pensar também.
Fica mais fácil pra eu lidar com isto, sem perder a paciência, quando entendo que a manifestação do comportamento deles faz parte da doença, também é sintoma, e também deve ser trabalhado, em outras atividades específicas.


Uma variação da atividade proposta seria organizar as pessoas em duplas, para que juntas fizessem uma lista de frases que ouvem freqüentemente e que consideram agressivas, ofensivas, ou que causem desconforto. O objetivo é encontrar uma forma clara e gentil de dizer a mesma coisa, e levantar com o grupo a questão de que muitos ali tem atitudes que abominam no outro.

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