quinta-feira, 12 de março de 2009

Tem semana que é complicada no trabalho com os garotos da clínica. Esta foi uma semana bem desmotivante.
A clínica é involuntária. As pessoas passam muito tempo lá. Por um lado precisam disto, mas por outro, tudo o que é demais faz mal. Todos estavam estafados, de saco cheio, com todas as reclamações e críticas do mundo. Não consegui desenvolver trabalho nenhum com eles, porque a ira volta-se contra mim, acabo sendo o “descarrego” do grupo.
Não é fácil esta vida de psicóloga... Tem o fato também de que as idades variam bastante, há muitos adolescentes, que falam ao mesmo tempo, não se respeitam, não tem disciplina. Ficam me testando pra saber o que sou capaz de fazer. Se proponho uma atividade mais complexa, eles dizem que é difícil e não querem fazer. Se é algo simples, ou relacionado a artes, eles dizem que é coisa de criança. É bem complicado.
Fico meio receosa de apostar em uma postura mais agressiva e exagero no acolhimento. Talvez isto derive da minha necessidade de aceitação. Quero que gostem de mim, quero que prefiram a mim. Entra aí uma questão de disputa também, em relação às outras psicólogas. Acontece que, ao buscar reconhecimento e preferência, muitas vezes deixo de fazer o que preciso fazer de fato. Acabo sendo displicente, me tornando insegura e me perdendo nas palavras. A isto se soma minha timidez e minha dificuldade em aceitar meus erros. É foda. Cobrança de todos os lados, principalmente uma autocrítica cruel, e extremista.
Bom enfim, o fato é que apesar dos pesares, tive que trabalhar. Uma das atividades foi relacionada a interpretação de textos, e articulação do tema com a história pessoal dos participantes. Para realizar esta atividade, dividi o grupo em três e dei a cada grupo um texto, que eles deveriam ler, compreender e desenvolver uma maneira de apresentar para os outros grupo, sempre relacionando com a história deles.
Abaixo irei transcrever os textos, mas o resultado já adianto: nada foi perdido, mas não tivemos resultados positivos. Eles tentavam fugir do foco a todo o momento, e insistiam no cansaço mental. Mas valeu a tentativa!

Grupo 1
Raul tem apenas 37 anos, mas sente-se muito cansado. Tudo para ele é cansativo, principalmente (con) viver. Estes dias ele ouviu que é um caso perdido. E muitas vezes isto é o que ele realmente pensa. Solitário de si mesmo, a droga é a tentativa iludida de encontrar-se.
Há muito tempo quer parar de usar drogas, quer fazer coisas simples como passar na padaria depois do trabalho e levar uns pães quentinhos para casa. Mas é tudo tão difícil... Quando ele decidiu parar de usar drogas pela primeira vez, aos 25 anos, seu objetivo era recuperar-se fisicamente. Eis a ambivalência - parou para melhorar o físico, contudo ficou exposto para si mesmo como um ser fragilizado, e perceber isso é muito doloroso. Não suportando essa dor, que também provoca sua onipotência, retornou ao uso, e como conseqüência a degradação física, entre outras. Hoje ele sabe que não basta só deixar as drogas, pois corre o risco de nas adversidades recorrer às "mesmas soluções", por não ter ocorrido mudanças interiores.
Depois de alguns longos anos, ele descobriu que o querer ficar limpo para manter o físico não era a única necessidade dele, o que ele queria realmente era ser completo, poder sentir emoções reais, fazer coisas simples, amar, sentir-se vivo, e mais: sentir-se alguém. Tarefa árdua para quem se considera um caso perdido.
Ele ouviu dizer que precisa se desprender do egoísmo, para gradativamente resgatar-se em um novo projeto de vida. E qualquer projeto de vida deve remeter ao outro. Um projeto de vida só pode ser considerado tal se o semelhante estiver presente. Mas isto tudo ele já sabe, ele sabe o que fazer, deseja realmente viver uma nova vida, mas algo se perde no meio do caminho.
Por ter ficado algum tempo sem drogas, hoje ele consegue identificar quando vai mal. Com ele acontece assim: às vezes ele sente demais, e outras vezes fica insensível. Em outras vezes ainda, tem pensamentos estranhos e começa a pensar que vai ficar louco. Este problema de lidar com os sentimentos o leva a ignorar suas emoções. Ele não consegue relaxar nem quando dorme. Sempre tem sonhos perturbadores. Ele tem um senso de fracasso muito grande, por ter agido na desonestidade, por ter manipulado, sente-se vazio. Experimenta cada vez mais dificuldades em controlar pensamentos, emoções, julgamentos e comportamentos. Esta progressiva perda de controle começa a causar problemas em todos as áreas de sua vida. Não importa o quanto tenta reconquistar o controle, é incapaz de consegui-lo. Acaba usando de um pensamento mágico. Deseja que as coisas melhorem sem fazer nada para melhorá-las, sem pagar o preço.
Na minha opinião, ele falhou em não reconhecer o seu progresso. O seu deslize foi em não se reconhecer humano, em não aceitar os seus erros. A maior batalha é vencer a si mesmo, é admitir o seu real tamanho. Não existem receitas extraordinárias. É o simples que funciona a todos.

Em sua opinião, onde Raul falhou?
O que foi descrito em termos de comportamento e características pessoais foi relato dele. A seu modo de ver, quais qualidades Raul possui?
Você o considera um caso perdido? Como seria um caso perdido?
No que ele pode apegar-se para vencer o vício?
Qual a mudança primordial no caso dele?
Você se identifica com algo neste relato?
Com base neste modelo, escreva sobre você, relate o seu caso.

Grupo 2
FÁBULA DA TARTARUGA
Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique.
As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram 07 anos preparando-se para o passeio. Passados 06 meses, após acharem o lugar ideal. Ao desembalarem a cesta de piquenique descobriram que estavam sem sal.
Então, designaram a tartaruga mais nova para voltar em casa e pegar o sal, por ser a mais rápida. A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou. Concordou em ir, mas com uma condição: que ninguém comeria até que ela retornasse.
Três anos se passaram… Seis anos… e a pequenina não tinha retornado.
Ao sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha já não suportando mais a fome, decidiu desembalar um sanduíche. Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou: - ‘Viu? Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal.’

Na nossa vida as coisas acontecem mais ou menos da mesma forma. Desperdiçamos nosso tempo esperando que as pessoas vivam à altura de nossas expectativas. Ficamos tão preocupados com o que os outros estão fazendo que deixamos de escrever nossa própria história.
Grupo 3
Uma casa com cupins
"Uma certa casa foi bem construída. Uma madeira de excelente qualidade foi utilizada.
E, embora ela tenha vários anos, ela ainda aparentava ser uma boa casa no seu aspecto externo.
Ela ainda parece ser forte. Entretanto, muitos anos atrás, cupins entraram na madeira e agora o problema é sério.
Impossível dizer quando eles chegaram. Não existem evidências externas de que eles estão trabalhando. Um dia veio uma tempestade. Uma grande tempestade, mas não maior do que muitas tempestades que já havia acontecido. A casa com cupins permanece de pé. Ela é sacudida por fortes ventos. As casas vizinhas são atingidas também. Quando a tempestade passou as outras casas estavam de pé, mas esta casa não.
Inicialmente houve surpresa por a tempestade ter distruído tal casa. Então, na madeira da casa desmoronada, o trabalho dos cupins foi descoberto.
As colunas estão cheias de buracos. Agora é fácil ver o que não se suspeitava antes. A casa tinha, na realidade, se tornado muito frágil.

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