quinta-feira, 19 de março de 2009

Este post encerra as duas últimas publicações sobre uma atividade iniciada na semana passada com o grupo de pacientes que atendo na clínica. Na verdade, é mais uma síntese de tudo o que falamos nestes dias em relação a mudança de comportamento, na intenção de motivar neles a busca pelo auto-conhecimento.
Durante as discussões busquei reforçar o fato de que ao trabalharmos os comportamentos e os sentimentos, fortalecemos o ego, aumentando a auto-eficácia para superar não apenas as dificuldades com as drogas, mas as dificuldades gerais da existência. Vou descrever os itens mais importantes que listamos, os quais foram apresentados como foco para o tratamento.

Buscar com firmeza os próprios erros – significa parar de colocar a culpa no externo, parar de se fazer de vítima, de achar defeito nos outros, de julgar a atitude alheia. É necessário concentrar-se em si mesmo. As atividades que remetem ao passado ajudam a dar uma bela olhada no que vivemos, nos permite reconhecer fragilidades e erros, e nos permitem refletir sobre uma maneira efetiva de transformar os nossos erros em acertos futuros.
Saber ouvir – até para reconhecer os erros é preciso saber ouvir. O outro pode ver algo na gente que não conseguimos enxergar. Este saber ouvir é refletir sobre o que foi dito, antes de buscar uma justificativa pra tudo.
Apropriar-se da responsabilidade pelo seu problema - não culpar o outro e as situações, tomar as rédeas da própria vida.
Refletir sobre o controle em relação ao uso – para muitos ainda existe a ilusão do controle.
Diminuir os pensamentos dicotômicos (tudo ou nada) - Refere-se à tendência para avaliar as situações de forma extrema. Por exemplo: “Durante a internação, ou tenho sorte e o tratamento não será desgastante e angustiante ou então vai ser horrível e vou me sentir muito mal.”.
Não ignorar o positivo - Refere-se à tendência para minimizar os aspectos positivos das situações, antecipando problemas inultrapassáveis e um sofrimento intolerável para o futuro. Por exemplo, o paciente pode esquecer todos os aspectos positivos do tratamento e os benefícios de receber todo o auxilio “possível”, esquece igualmente que se trata de uma situação passageira e que em breve se seguirá um período de recuperação em que poderá regressar para junto dos familiares. Exemplo: “A estadia aqui é horrível Estamos longe da nossa casa. Não suporto isto!”.
Aumentar o auto-monitoramento - se policiar em relação as atitudes, aprender a se ouvir, meditar. Não é fácil empregar energia para observar a si mesmo, os seus movimentos. É mais fácil observar o outro.
Transformar sentimentos como o egoísmo, a desonestidade, a imprudência, a vitimização, entre outros – transformação de qualidades negativas, como forma de fortalecer o ego, estabelecer os vínculos e o equilíbrio emocional.
Evitar velhos hábitos – conscientização dos comportamentos de risco.
Refletir a respeito da auto-imagem – reconhecer o seu real tamanho.
Estar atento para a negação - não apenas da doença, mas de comportamentos. Para suportar alguns períodos de preocupação, medo e ansiedade, o individuo pode ignorar ou negar estes sentimentos, da mesma maneira que antes negava a adição. A negação pode ser tão forte que não tem consciência dela enquanto a mesma esta acontecendo. Mesmo quando está consciente dos sentimentos, a pessoa esquece logo e se vão. Somente quando pensa de volta na situação mais tarde é que é capaz de reconhecer os sentimentos de ansiedade e sua negação.
Autodisciplina - A autodisciplina deve ser encarada como um esforço positivo. Serve para o planejamento, que ajuda você a se concentrar em suas prioridades.Você estará trabalhando com tarefas em pequenos incrementos, não tudo de uma vez. Primeiro você desenvolve um hábito, depois o hábito faz o serviço para você. Seja firme, controle os resultados e controle as suas decisões e atitudes. Assim, gradativamente, você passa a ter controle sobre si mesmo.

Após discutirmos sobre estes itens, apresentei a relação abaixo, que nada mais é do que a conseqüência que terão, as habilidades desenvolvidas caso consigam focar o sugerido acima:

Re-significar pensamentos dicotômicos – As opiniões e as decisões deixarão de ser 8 ou 80. Uma maior flexibilidade irá propiciar escolhas mais estáveis e relações menos superficiais.
Resolver problemas e tomar decisões de forma sensata e assertiva – isto é possível de forma efetiva apenas após um tempo e de acordo com uma boa maturidade em relação aos sentimentos.
Desenvolver estratégias de enfrentamento – a partir do autoconhecimento e do conhecimento da doença é possível desenvolver habilidades que permitam o enfrentamento não só da doença, mas das dificuldades gerais da vida.
Manejo da pressão social – isto é muito importante inclusive para o desenvolvimento da capacidade de recusa para a oferta da droga, e para o relacionamento social.
Aumento da capacidade de antecipar as conseqüências negativas do uso de drogas – te dará o tempo necessário para pensar antes de agir. Tem a ver com o controle da impulsividade.
Controle da impulsividade - é alcançado depois de muito trabalho, nunca será uma resposta imediata, vem junto com o trabalho da paciência, da reflexão, da serenidade.
Compulsão e obsessão: Envolve a impulsividade. A obsessão se caracteriza por pensamentos ou imagens que se repetem persistentemente na mente. A compulsão se dá através de atos; a obsessão se da através do pensamento. A compulsão é o ato que se dá em resposta a um pensamento obsessivo.
Aumento da tolerância a frustração - muitas recaídas seriam evitadas se houvesse tolerância as frustrações.
Enfrentamento de situações de risco - após ter adquirido conhecimento em relação aos gatilhos, ao aprofundar em um autoconhecimento será possível enfrentar as situações de risco.
Auto-estima - o fortalecimento da auto-estima sustenta e mantém as aquisições anteriores para que não haja regressão no comportamento.
Aumento da auto-eficácia - sentimento de capacidade para realizar.

Para finalizar, apresentei um outro objetivo para o tratamento, diferente do primeiro, que era apreender uma estratégia lógica que evite uma recaída. O objetivo que segue amplia a visão do que é a recuperação de fato, objetivando não apenas a abstinência, mas uma mudança de hábitos gerais, uma nova maneira de viver:

“No fundo, tratar é a pessoa recomeçar a gostar de si mesma, acreditar em si, ter relacionamentos saudáveis e valorizar a vida. Mudando a si, ao mesmo tempo muda seu posicionamento no social, seu hábitos gerais. Não há uma cura mágica ou milagrosa para a dependência de drogas. Penso que, para a superação da drogadição, a resposta, no significado terapêutico, está nas relações humanas, de pessoa para pessoa ou de pessoa com pessoas. É no mundo estrito do ser que surgem as crises, os jeitos e florescem as possibilidades”.

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