sábado, 21 de março de 2009

Diálogo com o barro.


Tenho uma disciplina na pós-graduação, chamada “Laboratório de Sensibilidade”. É uma aula fantástica, estou aprendendo coisas incríveis. As vivencias me mostram a todo o momento o quanto eu preciso me soltar mais, entrar em contato com meus sentimentos, acreditar mais na minha intuição e dar vazão a minha criatividade.
Estes dias fizemos uma vivencia com argila, com o objetivo de, ao desenvolver um diálogo com o barro, possibilitar um diálogo com conteúdos internos.
Demorei um pouco para encontrar a forma pretendida, como sempre pela dificuldade que tenho em me entregar a este tipo de atividade, mas a argila me permitiu recriar quantas vezes eu necessitei, bastava eu acrescentar água, e com suas exigências atendidas, ela cedia as minhas vontades.
Antes de começarmos a atividade, fomos estimulados a fazer um relaxamento, para possibilitar uma maior interiorização. Para isto todos fecharam os olhos enquanto concentravam-se na respiração. Ao expirar nosso pensamento deveria estar nas tensões do momento, nas angustias, como se estas estivessem sendo expiradas também, junto com a respiração. Deveríamos sentir nossos pés no chão, forçando-os como se estivéssemos enraizando naquele lugar, e buscando absorver da mãe terra o que ela tem de positivo: sustento, energia. Após um tempo começamos a manusear o barro, apertando, beliscando, batendo, esmurrando. Neste momento iniciou-se um diálogo, onde não apenas podíamos dar forma ao barro, mas antes deveríamos aceitar o formato que ele ia dando a si de acordo com os nossos movimentos.
Não nos preocupamos muito com a forma a princípio, mas posteriormente começamos a buscar um sentido para nossa produção. Existe um processo que chama metamorfose. Se realiza assim: a pessoa deve fazer uma esfera com a argila, de forma que fique bem lisa e redonda, imaginando que aquilo que carrega nas mãos é o seu mundo interno, buscando sensações, percebendo-se, tentando alcançar a representação daquilo pra ela. O passo seguinte é transformar a esfera em algo do Reino Mineral, depois do Reino vegetal, para posteriormente buscar uma representação do Reino Animal. Para finalizar, a pessoa deve buscar uma síntese abstrata das formas anteriores.
Ao final da vivência eu estava me sentindo completamente diferente. Por alguns momentos esqueci de todos os meus problemas, minha mente desocupada, apenas concentrava-se no sentimento que aquela experiência me possibilitava. Adorei
.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Quem disser que é fácil, tá mentindo.


Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano, não dei.

Parece que a vida tirou este ano pra me calejar, pra me testar, pra me fazer aprender na marra, pra cobrar meus pecados, pra ver até onde eu agüento, ou coisa do tipo. É um soco atrás do outro. Não sei se tenho esta força toda...
Para justificar isto, eu nem preciso dizer tudo o que me aconteceu de janeiro pra cá, basta que eu cite os acontecimentos desta semana.
Terça-feira eu estava voltando do trabalho e caiu uma tempestade imensa, daquelas que não dá pra enxergar um palmo a frente. Eu tava sozinha numa rodovia sem acostamento e a parte elétrica do carro deu pane, fazendo com que o carro simplesmente empacasse em meio ao temporal, na curva, em um lugar onde os caminhões passavam a 100 km/h. Como se não bastasse começou a sair fumaça dentro do carro e pra piorar a trava elétrica e o vidro não se moviam do lugar, ou seja, fiquei presa no carro, em meio a fumaça, e lá fora os carros, caminhões, ônibus, passavam por mim buzinando e desviando em cima do meu pequeno veículo. Até o pisca alerta não funcionava. Nem preciso dizer que nessas horas o celular não pega. Pouca desgraça é bobagem. Passei minutos de pânico, achando que ia morrer ou asfixiada ou esmagada. Como meu santo é forte, enviou um ônibus pra me salvar. O busão veio numa velocidade incrível, se aproximando cada vez mais, quando o motorista me viu e freou. Como que um milagre, parou a dois centímetros do meu carro. O cara desceu e foi ver se tinha acontecido alguma coisa e me encontrou lá dentro. Entortou a lataria do carro e me tirou de lá. Chamou o guincho e seguiu seu caminho. Depois, tudo se resolveu. Tirando o fato de que tive que gastar dinheiro com o carro, no momento financeiro mais crítico da minha vida, o lado bom é que estou viva, e inteira. Não foi desta vez. Mas o susto foi grande. Meu marido cansou de me dizer que trabalhar longe é perigoso, coisa e tal, e eu teimosa insisto. A verdade é que eu poderia trabalhar perto se fosse pra fazer algo diferente do que realmente quero para a minha vida. Como é difícil correr atrás dos sonhos. E perigoso também. Às vezes fico pensando até onde vale a pena pagar o preço.
O outro fato aconteceu a menos de uma hora atrás. Na verdade vem acontecendo há um tempo, mas acabou de se efetivar. Minha irmã, de dezoito anos que mora comigo e com meu marido, acabou de sair de casa pra morar com uma colega que ela conheceu há uma semana. Tudo por orgulho, por não gostar do meu marido. O orgulho nos faz tomar atitudes que decidem o caminho das nossas vidas. Quem ler isto não é capaz de imaginar o que isto significa pra mim, o que ela significa pra mim. Eu sempre soube que não se pode ter tudo, mas gostaria que esta regra não incluísse as pessoas a quem amamos. O vazio que sinto é tão grande que adormece a ponta dos meus dedos, me deixa em um estado de transe emocional, me tira a paz.
Dá até medo de levantar da cama e tocar o dia, mas não posso me retirar da luta. Por isto digo que viver não é uma tarefa fácil. O tempo, grande mestre curador, se encarrega de muitas coisas, mas enquanto isto a garganta dói, e o peito, nem se fala...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Este post encerra as duas últimas publicações sobre uma atividade iniciada na semana passada com o grupo de pacientes que atendo na clínica. Na verdade, é mais uma síntese de tudo o que falamos nestes dias em relação a mudança de comportamento, na intenção de motivar neles a busca pelo auto-conhecimento.
Durante as discussões busquei reforçar o fato de que ao trabalharmos os comportamentos e os sentimentos, fortalecemos o ego, aumentando a auto-eficácia para superar não apenas as dificuldades com as drogas, mas as dificuldades gerais da existência. Vou descrever os itens mais importantes que listamos, os quais foram apresentados como foco para o tratamento.

Buscar com firmeza os próprios erros – significa parar de colocar a culpa no externo, parar de se fazer de vítima, de achar defeito nos outros, de julgar a atitude alheia. É necessário concentrar-se em si mesmo. As atividades que remetem ao passado ajudam a dar uma bela olhada no que vivemos, nos permite reconhecer fragilidades e erros, e nos permitem refletir sobre uma maneira efetiva de transformar os nossos erros em acertos futuros.
Saber ouvir – até para reconhecer os erros é preciso saber ouvir. O outro pode ver algo na gente que não conseguimos enxergar. Este saber ouvir é refletir sobre o que foi dito, antes de buscar uma justificativa pra tudo.
Apropriar-se da responsabilidade pelo seu problema - não culpar o outro e as situações, tomar as rédeas da própria vida.
Refletir sobre o controle em relação ao uso – para muitos ainda existe a ilusão do controle.
Diminuir os pensamentos dicotômicos (tudo ou nada) - Refere-se à tendência para avaliar as situações de forma extrema. Por exemplo: “Durante a internação, ou tenho sorte e o tratamento não será desgastante e angustiante ou então vai ser horrível e vou me sentir muito mal.”.
Não ignorar o positivo - Refere-se à tendência para minimizar os aspectos positivos das situações, antecipando problemas inultrapassáveis e um sofrimento intolerável para o futuro. Por exemplo, o paciente pode esquecer todos os aspectos positivos do tratamento e os benefícios de receber todo o auxilio “possível”, esquece igualmente que se trata de uma situação passageira e que em breve se seguirá um período de recuperação em que poderá regressar para junto dos familiares. Exemplo: “A estadia aqui é horrível Estamos longe da nossa casa. Não suporto isto!”.
Aumentar o auto-monitoramento - se policiar em relação as atitudes, aprender a se ouvir, meditar. Não é fácil empregar energia para observar a si mesmo, os seus movimentos. É mais fácil observar o outro.
Transformar sentimentos como o egoísmo, a desonestidade, a imprudência, a vitimização, entre outros – transformação de qualidades negativas, como forma de fortalecer o ego, estabelecer os vínculos e o equilíbrio emocional.
Evitar velhos hábitos – conscientização dos comportamentos de risco.
Refletir a respeito da auto-imagem – reconhecer o seu real tamanho.
Estar atento para a negação - não apenas da doença, mas de comportamentos. Para suportar alguns períodos de preocupação, medo e ansiedade, o individuo pode ignorar ou negar estes sentimentos, da mesma maneira que antes negava a adição. A negação pode ser tão forte que não tem consciência dela enquanto a mesma esta acontecendo. Mesmo quando está consciente dos sentimentos, a pessoa esquece logo e se vão. Somente quando pensa de volta na situação mais tarde é que é capaz de reconhecer os sentimentos de ansiedade e sua negação.
Autodisciplina - A autodisciplina deve ser encarada como um esforço positivo. Serve para o planejamento, que ajuda você a se concentrar em suas prioridades.Você estará trabalhando com tarefas em pequenos incrementos, não tudo de uma vez. Primeiro você desenvolve um hábito, depois o hábito faz o serviço para você. Seja firme, controle os resultados e controle as suas decisões e atitudes. Assim, gradativamente, você passa a ter controle sobre si mesmo.

Após discutirmos sobre estes itens, apresentei a relação abaixo, que nada mais é do que a conseqüência que terão, as habilidades desenvolvidas caso consigam focar o sugerido acima:

Re-significar pensamentos dicotômicos – As opiniões e as decisões deixarão de ser 8 ou 80. Uma maior flexibilidade irá propiciar escolhas mais estáveis e relações menos superficiais.
Resolver problemas e tomar decisões de forma sensata e assertiva – isto é possível de forma efetiva apenas após um tempo e de acordo com uma boa maturidade em relação aos sentimentos.
Desenvolver estratégias de enfrentamento – a partir do autoconhecimento e do conhecimento da doença é possível desenvolver habilidades que permitam o enfrentamento não só da doença, mas das dificuldades gerais da vida.
Manejo da pressão social – isto é muito importante inclusive para o desenvolvimento da capacidade de recusa para a oferta da droga, e para o relacionamento social.
Aumento da capacidade de antecipar as conseqüências negativas do uso de drogas – te dará o tempo necessário para pensar antes de agir. Tem a ver com o controle da impulsividade.
Controle da impulsividade - é alcançado depois de muito trabalho, nunca será uma resposta imediata, vem junto com o trabalho da paciência, da reflexão, da serenidade.
Compulsão e obsessão: Envolve a impulsividade. A obsessão se caracteriza por pensamentos ou imagens que se repetem persistentemente na mente. A compulsão se dá através de atos; a obsessão se da através do pensamento. A compulsão é o ato que se dá em resposta a um pensamento obsessivo.
Aumento da tolerância a frustração - muitas recaídas seriam evitadas se houvesse tolerância as frustrações.
Enfrentamento de situações de risco - após ter adquirido conhecimento em relação aos gatilhos, ao aprofundar em um autoconhecimento será possível enfrentar as situações de risco.
Auto-estima - o fortalecimento da auto-estima sustenta e mantém as aquisições anteriores para que não haja regressão no comportamento.
Aumento da auto-eficácia - sentimento de capacidade para realizar.

Para finalizar, apresentei um outro objetivo para o tratamento, diferente do primeiro, que era apreender uma estratégia lógica que evite uma recaída. O objetivo que segue amplia a visão do que é a recuperação de fato, objetivando não apenas a abstinência, mas uma mudança de hábitos gerais, uma nova maneira de viver:

“No fundo, tratar é a pessoa recomeçar a gostar de si mesma, acreditar em si, ter relacionamentos saudáveis e valorizar a vida. Mudando a si, ao mesmo tempo muda seu posicionamento no social, seu hábitos gerais. Não há uma cura mágica ou milagrosa para a dependência de drogas. Penso que, para a superação da drogadição, a resposta, no significado terapêutico, está nas relações humanas, de pessoa para pessoa ou de pessoa com pessoas. É no mundo estrito do ser que surgem as crises, os jeitos e florescem as possibilidades”.

sábado, 14 de março de 2009

Continuando o esquema descrito no post anterior, iniciei outro encontro com o grupo retomando a questão da mudança de comportamento. Pra falar a eles sobre a importância da prontidão para mudança, iniciei explicando sobre cinco estágios:

Estágios de prontidão para a mudança:
Pré-contemplação:
não estar consciente de ter um problema e não ter intenção de mudança.
Contemplação: estar consciente que existe um problema, mas ainda não ter feito nada para mudar.
Preparação: ter a intenção de realizar alguma mudança.
Ação: Concretizar a mudança.
Manutenção: Já ocorreu a mudança, e o paciente está procurando manter o comportamento modificado.

A dificuldade do trabalho em grupo está no seguinte: aqueles nos estágios mais iniciais de mudança (pré-contemplação) beneficiam-se mais da instrução e da compreensão das condutas de risco do que aqueles que já estão cientes dos riscos de seu comportamento e pretendem mudar logo (preparação). Ou os que estão ativamente tentando mudar (ação), beneficiando-se mais de intervenções baseadas no treinamento de habilidades e na auto-eficácia (habilidade de sentir-se capaz).

Antes de continuar a atividade pedi para que cada um identificasse em que estágio se vê.

E emendei ilustrando com a necessidade de mudar um comportamento específico: a impulsividade, e com ele a obsessão e a compulsão, que aumenta a probabilidade de recaída.
Sempre reforço o fato de que ninguém nasce pronto. A vida é um processo de criação. A todo momento estamos nos recriando. Portanto temos que determinar quem queremos ser, e agir de acordo. Se colocarmos na mente que não é possível mudar, certamente não mudaremos. Mas se aos poucos tomarmos consciência e refletirmos sobre nossa maneira de agir, sobre nossas escolhas... se aos poucos conseguirmos pensar antes de falar, antes de agir, gradativamente seremos capazes de equilibrar nosso comportamento, agindo menos na impulsividade e mais na reflexão. Seremos capazes de cada vez mais termos o domínio de nós mesmos, guiando nossa vida ao invés de sermos guiados pelas emoções.

Benefícios da mudança deste comportamento:
Manejo da compulsão e da obsessão.
Reflexão antes da ação = assertividade.
Controle da própria vida.
Não mais ser guiado pelas emoções.

Dificuldade em mudar o comportamento:
Busca de fórmulas mágicas – não quer pagar o preço.
Pensamentos dicotômicos – tudo ou nada.
Pré-conceito.
Má vontade.
Resistência.
Indisciplina.

Depois de ter ouvido a todos, e ter aprofundado nesta questão, busquei enfocar com eles um outro comportamento, mas desta vez, um que precisa ser reforçado: a motivação. Para iniciar a discussão, pedi para eles fizessem a seguinte atividade:

* Em uma escala de 0 à 10, vocês identifiquem o quanto se sentem capaz de parar de usar drogas.
* Agora, listem no mínimo 6 coisas que alguém pode fazer para conseguir evitar o uso de drogas.
* Façam duas colunas: em uma descrevam quais as vantagens de usar drogas (prós), e na outra quais as desvantagens.


Esta atividade abre reflexão sobre o nível de motivação que cada um tem para parar usar drogas. A motivação é algo que flui de dentro pra fora: a própria pessoa alimenta em si. Outra pessoa não é capaz de motivar a mim, eu tenho que buscar algo que me motive, eu preciso dar motivos à minha ação.
Aí entra a palavra decisão: até que ponto há disposição para encontrar esta motivação?
Na adicção ativa, a pessoa perde a capacidade de decidir, de fazer escolhas. Ela simplesmente deixa-se ser guiada por um poder destrutivo. Sabe que está fazendo mal, se destruindo, mas continua usando: Perda da escolha - “tenho que usar”.
Levantei com o grupo as razões pelas quais o dependente químico se deixa levar por um poder destrutivo e ressaltei que para a recuperação, o poder de Decisão é a maior fonte de força e coragem, é onde o medo diminui.
Quando você decide, a decisão implica em ação, você começa a recuperar a sua ação (recuper-ação), a buscar os motivos para isto (motiv-ação), e aos poucos desenvolve as habilidades que precisa para vencer.
Terminei lembrando a eles sobre a primeira proposta do tratamento, e mostrando a amplitude de abordagens que este tratamento carece.
Com a finalidade de abordar aspectos específicos da doença e de mostrar ao grupo a importância de levarem o tratamento a sério, de participarem das atividades, de se dedicarem, preparei um esquema teórico e explicativo para que os assuntos citados pudessem ser tratados, esclarecendo as dúvidas deles em relação ao tratamento.
Abaixo segue o esquema seguido para o trabalho:

O que a maioria espera em relação ao tratamento é apreender uma estratégia lógica que evite uma recaída.

Uma recaída é evitada a partir:
Do manejo da impulsividade;
Da identificação e evitação de situações de risco;
Da regulação do humor;
Da mudança do estilo de vida;
Da transformação do comportamento aditivo.

Isto se torna possível apenas com uma abertura total do indivíduo para o conhecimento de si, para a tomada de consciência de seus movimentos e de suas questões internas. Muitos sabem no que devem focar, ou seja, sabem sobre técnicas, mas não conseguem colocar em prática porque não aprofundaram no autoconhecimento e não se predispuseram a mudar de fato.

Para que esta mudança seja alcançada, é necessário lutar contra:
O cansaço mental e emocional;
A falta de motivação;
A falta de confiança;
O descaso em relação ao tratamento.

O cansaço mental e o desgaste em suportar as reuniões concentra-se justamente na dificuldade que é, não apenas assimilar as orientações e sugestões, mas principalmente em elaborar emocionalmente e abrir mão do que não serve mais.
Por isto, o conhecimento teórico sobre a doença, tão necessário, torna-se infundado quando não trabalhamos os comportamentos, os pensamentos, os sentimentos. Para que o tratamento dê certo, são necessárias confiança e entrega.

Portanto, a proposta do tratamento se estende a:
Um maior enfrentamento de adversidades;
Preparo para lidar melhor com a angustia, com as perdas, com as dificuldades do dia a dia;
Para viver de maneira autentica e ter paz

Assim o foco do tratamento não se limita a abstinência, mas estende-se a possibilitar uma compreensão de si, para desenvolver maior tolerância as frustrações. E a isto se soma objetivos mais complexos, como ser e fazer feliz as pessoas a sua volta, contribuir para uma sociedade melhor e por aí vai...
É claro que tudo leva um tempo, e temos que ir por etapas, mas não podemos esquecer que quando alguém diz que a sobriedade é o suficiente, está falando sem pensar. É como aquele fazendeiro que sai do porão onde estava se protegendo de um vendaval e encontra sua casa toda destruída. Aí, diz à sua esposa: “Não vejo nada de errado aqui, mulher. Que bom que o vento parou, não é?”.
... Há pela frente um longo período de reconstrução. É preciso analisar o passado honestamente, além de pensar em novas possibilidades de agir e em formas diferentes de refletir quando estiver frente a uma situação que lhe ative o comportamento aditivo habitual.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Escolha cuidadosamente suas palavras

Como eu disse no texto anterior, esta semana os garotos da clínica estavam terríveis, e resistentes a qualquer trabalho terapêutico. Nas reuniões em grupo, o assunto girava em torno apenas de críticas em relação à clínica e ao tratamento de uns em relação aos outros. Absurdamente impulsivos e extremistas, mostraram-se longe de qualquer possibilidade onde haja bom senso e discernimento.
Devido ao clima, achei que seria interessante uma atividade onde pudessem ser trabalhadas as dificuldades de relacionamento, onde pudéssemos discutir os comportamentos disfuncionais que precisam ser modificados, estimulando o respeito as individualidades, a maneira de lidar com os conflitos, e a delimitação de limites.
Dei a eles papel e caneta e pedi para que dissessem três coisas que não gostam que lhes digam, ou que ficam mal ao ouvir. Recolhi os papéis e redistribui a pessoas diferentes. Cada um teria que relatar se aquilo que está escrito ocorre em sua vida e como lidaria caso ocorresse.
Assim que terminaram, formamos um círculo para discutir as opiniões. No início fluiu bem, mas eles estavam muito impacientes e não conseguiam ouvir o colega, nem aprofundar o assunto.
De qualquer maneira, algumas questões puderam ser abordadas: um dos participantes disse que fica mal quando alguém fala ou faz coisas pelas costas e depois se finge de amigo. Ou quando falam de drogas perto dele. Ou quando é acusado por algo que não fez. As observações para estas colocações foram relacionadas a evitar certas pessoas, e situações ou dar uma "lição" no outro, ou seja, partir para agressão. Depois de ouvir a opinião de alguns e de serem similares, ficou claro que no ponto de vista deles, se alguém agiu ofensivamente, merece ser ignorado ou agredido. Não há meio termo, não existem outras possibilidades. Pontuei isto a eles e estimulei a reflexão do quanto este tipo de comportamento atrapalha nos momentos de crise.
Outro participante, ao falar sobre sua opinião acrescentou que o incomoda pessoas que agem de má fé, ou pessoas estúpidas, e as sugestões não variaram, estiveram em torno do mesmo extremismo, do 8 ou 80, do tudo ou nada. Outras colocações foram feitas: a respeito da mentira, da dificuldade em alcançarem objetivos. As respostas permaneceram fechadas, sem abertura de novas possibilidades.
Também foi falado em injustiça, em ser responsabilizado injustamente por algo que não se fez. Sobre desconfiança. Sobre questões que se fossem levadas a serio e aprofundadas poderiam somar e estimular a mudança de comportamento que eles precisam tanto iniciar.
Além disso, ao invés de buscarem o foco, eles insistiam em questionar e criticar constantemente. Quando o colega falava de uma atitude positiva, o outro interrompia dizendo que não adiantava idealizar aquilo se no momento agiam de outra maneira. "Mas isto é obvio - eu disse a eles - caso se comportassem adequadamente nada disso precisaria ser trabalhado". Disse também que o objetivo da atividade não é fazer com que eles seguissem o politicamente correto, mas que tomassem para si a decisão sobre suas atitudes. Que pudesse escolher a forma de agir a partir de uma reflexão pessoal, de um fundamento. Esclareci que existem situações que nos “tiram do sério”, que não dá pra agir desta maneira a todo o momento, mas que na maioria das vezes o saudável é agir assim: "se eu achar que o fato de o outro ter sido mal educado comigo, me permite dar uma resposta à altura, que eu faça isto porque pensei em outras possibilidades, porque através de algumas experiências e tentativas neste sentido, percebi que o melhor mesmo era agir assim. E não porque fui levada a isto, ou porque não consigo agir de outra maneira. E o mais importante é estar aberto para mudança se aquela maneira não servir mais".
Realmente para funcionar assim é preciso muita coragem e força do ego, muita persistência e disposição. E a dificuldade em conseguir está justamente na dificuldade pela qual não deu certo a atividade. Falta de vontade de uns, tendência a criticar antes de refletir de outros, e preguiça de pensar também.
Fica mais fácil pra eu lidar com isto, sem perder a paciência, quando entendo que a manifestação do comportamento deles faz parte da doença, também é sintoma, e também deve ser trabalhado, em outras atividades específicas.


Uma variação da atividade proposta seria organizar as pessoas em duplas, para que juntas fizessem uma lista de frases que ouvem freqüentemente e que consideram agressivas, ofensivas, ou que causem desconforto. O objetivo é encontrar uma forma clara e gentil de dizer a mesma coisa, e levantar com o grupo a questão de que muitos ali tem atitudes que abominam no outro.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Tem semana que é complicada no trabalho com os garotos da clínica. Esta foi uma semana bem desmotivante.
A clínica é involuntária. As pessoas passam muito tempo lá. Por um lado precisam disto, mas por outro, tudo o que é demais faz mal. Todos estavam estafados, de saco cheio, com todas as reclamações e críticas do mundo. Não consegui desenvolver trabalho nenhum com eles, porque a ira volta-se contra mim, acabo sendo o “descarrego” do grupo.
Não é fácil esta vida de psicóloga... Tem o fato também de que as idades variam bastante, há muitos adolescentes, que falam ao mesmo tempo, não se respeitam, não tem disciplina. Ficam me testando pra saber o que sou capaz de fazer. Se proponho uma atividade mais complexa, eles dizem que é difícil e não querem fazer. Se é algo simples, ou relacionado a artes, eles dizem que é coisa de criança. É bem complicado.
Fico meio receosa de apostar em uma postura mais agressiva e exagero no acolhimento. Talvez isto derive da minha necessidade de aceitação. Quero que gostem de mim, quero que prefiram a mim. Entra aí uma questão de disputa também, em relação às outras psicólogas. Acontece que, ao buscar reconhecimento e preferência, muitas vezes deixo de fazer o que preciso fazer de fato. Acabo sendo displicente, me tornando insegura e me perdendo nas palavras. A isto se soma minha timidez e minha dificuldade em aceitar meus erros. É foda. Cobrança de todos os lados, principalmente uma autocrítica cruel, e extremista.
Bom enfim, o fato é que apesar dos pesares, tive que trabalhar. Uma das atividades foi relacionada a interpretação de textos, e articulação do tema com a história pessoal dos participantes. Para realizar esta atividade, dividi o grupo em três e dei a cada grupo um texto, que eles deveriam ler, compreender e desenvolver uma maneira de apresentar para os outros grupo, sempre relacionando com a história deles.
Abaixo irei transcrever os textos, mas o resultado já adianto: nada foi perdido, mas não tivemos resultados positivos. Eles tentavam fugir do foco a todo o momento, e insistiam no cansaço mental. Mas valeu a tentativa!

Grupo 1
Raul tem apenas 37 anos, mas sente-se muito cansado. Tudo para ele é cansativo, principalmente (con) viver. Estes dias ele ouviu que é um caso perdido. E muitas vezes isto é o que ele realmente pensa. Solitário de si mesmo, a droga é a tentativa iludida de encontrar-se.
Há muito tempo quer parar de usar drogas, quer fazer coisas simples como passar na padaria depois do trabalho e levar uns pães quentinhos para casa. Mas é tudo tão difícil... Quando ele decidiu parar de usar drogas pela primeira vez, aos 25 anos, seu objetivo era recuperar-se fisicamente. Eis a ambivalência - parou para melhorar o físico, contudo ficou exposto para si mesmo como um ser fragilizado, e perceber isso é muito doloroso. Não suportando essa dor, que também provoca sua onipotência, retornou ao uso, e como conseqüência a degradação física, entre outras. Hoje ele sabe que não basta só deixar as drogas, pois corre o risco de nas adversidades recorrer às "mesmas soluções", por não ter ocorrido mudanças interiores.
Depois de alguns longos anos, ele descobriu que o querer ficar limpo para manter o físico não era a única necessidade dele, o que ele queria realmente era ser completo, poder sentir emoções reais, fazer coisas simples, amar, sentir-se vivo, e mais: sentir-se alguém. Tarefa árdua para quem se considera um caso perdido.
Ele ouviu dizer que precisa se desprender do egoísmo, para gradativamente resgatar-se em um novo projeto de vida. E qualquer projeto de vida deve remeter ao outro. Um projeto de vida só pode ser considerado tal se o semelhante estiver presente. Mas isto tudo ele já sabe, ele sabe o que fazer, deseja realmente viver uma nova vida, mas algo se perde no meio do caminho.
Por ter ficado algum tempo sem drogas, hoje ele consegue identificar quando vai mal. Com ele acontece assim: às vezes ele sente demais, e outras vezes fica insensível. Em outras vezes ainda, tem pensamentos estranhos e começa a pensar que vai ficar louco. Este problema de lidar com os sentimentos o leva a ignorar suas emoções. Ele não consegue relaxar nem quando dorme. Sempre tem sonhos perturbadores. Ele tem um senso de fracasso muito grande, por ter agido na desonestidade, por ter manipulado, sente-se vazio. Experimenta cada vez mais dificuldades em controlar pensamentos, emoções, julgamentos e comportamentos. Esta progressiva perda de controle começa a causar problemas em todos as áreas de sua vida. Não importa o quanto tenta reconquistar o controle, é incapaz de consegui-lo. Acaba usando de um pensamento mágico. Deseja que as coisas melhorem sem fazer nada para melhorá-las, sem pagar o preço.
Na minha opinião, ele falhou em não reconhecer o seu progresso. O seu deslize foi em não se reconhecer humano, em não aceitar os seus erros. A maior batalha é vencer a si mesmo, é admitir o seu real tamanho. Não existem receitas extraordinárias. É o simples que funciona a todos.

Em sua opinião, onde Raul falhou?
O que foi descrito em termos de comportamento e características pessoais foi relato dele. A seu modo de ver, quais qualidades Raul possui?
Você o considera um caso perdido? Como seria um caso perdido?
No que ele pode apegar-se para vencer o vício?
Qual a mudança primordial no caso dele?
Você se identifica com algo neste relato?
Com base neste modelo, escreva sobre você, relate o seu caso.

Grupo 2
FÁBULA DA TARTARUGA
Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique.
As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram 07 anos preparando-se para o passeio. Passados 06 meses, após acharem o lugar ideal. Ao desembalarem a cesta de piquenique descobriram que estavam sem sal.
Então, designaram a tartaruga mais nova para voltar em casa e pegar o sal, por ser a mais rápida. A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou. Concordou em ir, mas com uma condição: que ninguém comeria até que ela retornasse.
Três anos se passaram… Seis anos… e a pequenina não tinha retornado.
Ao sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha já não suportando mais a fome, decidiu desembalar um sanduíche. Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou: - ‘Viu? Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal.’

Na nossa vida as coisas acontecem mais ou menos da mesma forma. Desperdiçamos nosso tempo esperando que as pessoas vivam à altura de nossas expectativas. Ficamos tão preocupados com o que os outros estão fazendo que deixamos de escrever nossa própria história.
Grupo 3
Uma casa com cupins
"Uma certa casa foi bem construída. Uma madeira de excelente qualidade foi utilizada.
E, embora ela tenha vários anos, ela ainda aparentava ser uma boa casa no seu aspecto externo.
Ela ainda parece ser forte. Entretanto, muitos anos atrás, cupins entraram na madeira e agora o problema é sério.
Impossível dizer quando eles chegaram. Não existem evidências externas de que eles estão trabalhando. Um dia veio uma tempestade. Uma grande tempestade, mas não maior do que muitas tempestades que já havia acontecido. A casa com cupins permanece de pé. Ela é sacudida por fortes ventos. As casas vizinhas são atingidas também. Quando a tempestade passou as outras casas estavam de pé, mas esta casa não.
Inicialmente houve surpresa por a tempestade ter distruído tal casa. Então, na madeira da casa desmoronada, o trabalho dos cupins foi descoberto.
As colunas estão cheias de buracos. Agora é fácil ver o que não se suspeitava antes. A casa tinha, na realidade, se tornado muito frágil.

sábado, 7 de março de 2009


Na semana do carnaval, com a ajuda da terapeuta ocupacional, tentei organizar na clínica uma gincana para que os pacientes pudessem participar de algo que os descontraíssem, distraíssem, algo que fizesse com que eles se movimentassem, se integrassem, enfim, algo mais leve para eles.
No começo estava dando certo, mas eles desistem muito fácil. Não há tolerância alguma à frustração, e o espírito de disputa deles está mais ligado à rivalidade do que à competitividade. Sem contar a indisciplina e a falta de limites. Tudo isto apareceu e atrapalhou a atividade, mas não ficou ao acaso, é tratado como sintoma, é trabalhado com eles.
No encerramento das atividades da gincana, fizemos uma dinâmica com o objetivo de focar os sentimentos bons, as qualidades a serem acrescentadas às relações, com a finalidade de reforçar o que há de positivo neles.
Para tanto, foi distribuída uma folha sulfite para cada pessoa, que deveria recortar a folha em quatro partes. Em cada parte deveria expressar (sem escrever) um sentimento que gostaria de trocar com o grupo. Foi levantada a questão:
O que você tem de bom e gostaria de trocar com o grupo?

Feito isto, eles foram orientados a caminhar pela sala, com as cartas viradas para si e na medida em que encontrassem com outros colegas, deveriam trocar as cartas, até substituir todas as suas. Terminado este procedimento, foram divididos dois grupos, onde cada deveria reunir todas as cartas dos participantes e contar uma história organizando as cartas em seqüência.
Realizada a exposição da história, abrimos uma discussão sobre os sentimentos mencionados, sobre a necessidade do grupo em trocar energias positivas e a abertura individual de cada um para receber algo bom do outro, aceitar o bem. Foi bem legal, eles gostaram do resultado e mostraram-se satisfeitos com a atividade e com a produção de cada grupo.
Uma variação desta atividade seria oferecer folhas coloridas para que eles pudessem escolher entre elas. As cores poderiam representar características sintomáticas da doença, servindo de referencia para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. Exemplo:
* As cartas azuis representam alguém com pensamentos rígidos, repetitivos, e com dificuldades em fazer escolhas.
* As cartas vermelhas representam incapacidade para relaxar, sentimento de culpa, ansiedade. Alguém que tem um medo consciente ou inconsciente de não ser capaz de permanecer sóbrio.
* As cartas amarelas referem-se a comportamentos impulsivos. Pessoa que evita tudo o que possa forçá-lo a uma honesta olhada em si mesmo.
* As cartas verdes simbolizam o desejo imaturo de ser feliz. Deseja que as coisas melhorem sem ter que pagar o preço. Autopiedade. Ressentimentos.
* Marrom: falta de satisfação com a vida, não consegue sentir prazer nas coisas simples. Tem dificuldade em sentir. Sente demais ou de menos.

A reflexão neste sentido, seguiria as seguintes indagações: Qual sentimento seria bom para pessoa superar este momento? O que ela deveria fazer para evoluir? Quais trocas seriam importantes pra ela?

quinta-feira, 5 de março de 2009

Trabalhei com o grupo uma técnica que possibilita o entendimento das necessidades emergentes do individuo, possibilitando insights. Trata-se de um modelo investigativo, criado por Walter Trinca, chamado desenho-história.
O procedimento técnico é o seguinte: pede-se que a pessoa realize uma série de cinco desenhos livres. Cada um deles é um estimulo para que se conte uma história associada livremente. E posteriormente dá-se o título da história. Portanto, são cinco desenhos, cinco histórias e cinco temas, seguindo a ordem desenho-história-tema.
Nos dois primeiros desenhos, a pessoa costuma fazer algo que lhe é familiar, e via de regra expressa a maneira como se apresenta ao mundo. O terceiro desenho aparece como conflito central, de certa maneira a pessoa expressa qual é a sua questão principal neste momento da vida, pode ser uma angústia predominante. Nas duas últimas produções, a pessoa expressa as saídas encontradas e desejadas para resolver seu conflito.
A aplicação foi bacana, o grupo participou sem tanta resistência. No momento das discussões surgiram alguns questionamentos, mas de maneira geral, as pessoas não apenas aceitaram o retorno dado por mim e pelos colegas, como também se esforçaram por buscar um entendimento a respeito do que foi proposto e disposto na atividade.